Por Machado de Assis (1875)
— Uma distração! murmurou Paula com uma doçura capaz de vencer um tirano. Mas o médico mostrou-se firme.
— Uma perversão, minha senhora! Em ficando boa pode ler se quiser todos os poetas do século; antes, não.
Paula ouviu esta palavra com singular, mas disfarçada alegria.
— Parece-lhe então que estou muito doente? disse ela.
— Muito, não digo; tem ainda um resto de abalo que só pode desaparecer com o tempo e um regime severo.
— Severo demais.
— Mas necessário...
— Duas coisas lastimo sobre todas.
— Quais?
— A pimenta e o café.
— Oh!
— É o que lhe digo. Não tomar café nem pimenta é o limite da paciência humana. Quinze dias mais deste regime ou desobedeço ou expiro.
— Nesse caso, expire, disse Avelar sorrindo.
— Acha melhor?
— Acho igualmente mau. O remorso, porém, será meu só, enquanto que se V. Excia. desobedecer terá os seus últimos instantes amargurados por um tardio arrependimento. Melhor é morrer vítima que culpada.
— Melhor é não morrer nem culpada nem vítima.
— Nesse caso não tome pimenta nem café.
A leitora que acaba de ler esta conversa, admirar-se-ia muito se visse a nossa doente nesse mesmo dia ao jantar: teve pimenta à farta e bebeu excelente café no fim. Não admira porque era o seu costume. A tia admirava-se com razão de uma doença que consentia tais liberdades; a sobrinha não se explicava cabalmente a este respeito.
Choviam convites de jantares e bailes. A viuvinha recusava-os todos por causa do seu mau estado de saúde.
Foi uma verdadeira calamidade.
Entraram a chover as visitas e bilhetes. Muitas pessoas achavam que a doença devia ser interna, muito interna, profundamente interna, visto que lhe não apareciam sinais no rosto. Os nervos (eternos caluniados!) foram a explicação que geralmente se deu à singular moléstia da moça.
Três meses correram assim, sem que a doença de Paula cedesse uma linha aos esforços do médico. Os esforços do médico não podiam ser maiores; de dois em dois dias uma receita. Se a doente se esquecia do seu estado e entrava a falar e a corar como quem tinha saúde, o médico era o primeiro a lembrar-lhe o perigo, e ela obedecia logo entregando-se à mais prudente inação.
Às vezes zangava-se.
— Todos os senhores são uns bárbaros, dizia ela.
— Uns bárbaros... necessários, respondia Avelar sorrindo.
E acrescentava:
— Eu não direi o que são as doentes.
— Diga sempre.
— Não digo.
— Caprichosas?
— Mais.
— Rebeldes?
— Menos.
— Impertinentes?
— Sim. Algumas são impertinentes e amáveis.
— Como eu.
— Naturalmente.
— Já o esperava, dizia a viúva Lemos sorrindo. Sabe por que razão lhe perdôo tudo? É porque é médico. Um médico tem carta branca para gracejar conosco; isso mesmo nos dá saúde.
Neste ponto levantou-se.
— Parece-me até que já estou melhor.
— Parece e está... quero dizer, está muito mal.
— Muito mal?
— Não, muito mal, não; não está boa...
— Meteu-me um susto!
Seria realmente zombar do leitor o explicar-lhe que a doente e o médico estavam a pender um para o outro; que a doente sofria tanto como o Corcovado, e que o médico conhecia cabalmente a sua perfeita saúde. Gostavam um do outro sem se atreverem a dizer a verdade, simplesmente pelo receio de se enganarem. O meio de se falarem todos os dias era aquele.
Mas gostavam eles já antes da fatal constipação do baile? Não. Até então ignoravam a existência um do outro. A doença favoreceu o encontro; o encontro o coração; o coração favorecia desde logo o casamento, se tivessem caminhado em linha reta, em vez dos rodeios em que andavam.
Quando Paula ficou boa da constipação adoeceu do coração; não tendo outro recurso fingiu-se doente. O médico, que pela sua parte desejava isso mesmo, exagerou ainda as invenções da suposta enferma.
A tia, sendo surda, assistia inutilmente aos diálogos da doente com o médico. Um dia escreveu a este pedindo-lhe que apressasse a cura da sobrinha. Avelar desconfiou da carta a princípio. Seria uma despedida? Podia ser pelo menos uma desconfiança. Respondeu que a moléstia de D. Paula era aparentemente insignificante, mas podia tornar-se grave sem um regime severo, que ele lhe recomendava sempre.
A situação, entretanto, prolongava-se. A doente estava cansada da doença, e o médico da medicina. Ambos eles começaram a desconfiar que não eram mal aceitos. O negócio entretanto não caminhava muito.
Um dia Avelar entrou triste em casa da viúva.
— Jesus! exclamou sorrindo a viúva; ninguém dirá que é o médico. Parece o doente. — Doente de lástima, disse Avelar abanando a cabeça; por outros termos, é a lástima que me dá este ar enfermo.
— Lástima de quê?
— De V. Excia.
— De mim?
— É verdade.
A moça riu-se consigo mesma; todavia esperou a explicação.
Houve um silêncio.
No fim dele:
— Sabe, disse o médico, sabe que está muito mal?
— Eu?
Avelar fez um gesto afirmativo.
(continua...)
Caroline Alves em 12/11/2025