Por Machado de Assis (1875)
Enquanto ele fazia estas reflexões, Ângela pensava na impressão que lhe teria deixado e na mágoa que por ventura lhe ficara da recusa de uma segunda e última entrevista. Refletiu longo tempo e resolveu remediar o mal, se mal se podia aquilo chamar. No dia seguinte, logo cedo, recebeu Alfredo um bilhetinho da namorada. Era um protesto de amor, com uma explicação da fuga da véspera e uma promessa de outra entrevista na seguinte noite, depois da qual ele iria pedir-lhe oficialmente a mão. Alfredo exultou.
Nesse dia a natureza pareceu-lhe melhor. O almoço foi excelente apesar de lhe terem dado um filet tão duro como sola e de estar o chá frio como água. O patrão nunca lhe pareceu mais amável. Todas as pessoas que encontrava tinham cara de excelentes amigos. Enfim, até o criado ganhou com os sentimentos alegres do amo: Alfredo deu-lhe uma boa molhadura pela habilidade com que lhe escovara as botas, que, entre parênteses, nem sequer levavam graxa.
Verificou-se a entrevista sem nenhum incidente notável. Houve os costumados protestos: — Amo-te muito!
— E eu!
— És um anjo!
— Seremos felizes.
— Deus nos ouça!
— Há de ouvir-nos.
Estas e outras palavras foram o estribilho da entrevista que durou apenas meia hora. Nessa ocasião Alfredo desenvolveu o seu sistema de vida, a maneira por que ele encarava o casamento, os sonhos de amor que haviam realizar, e mil outros artigos de um programa de namorado, que a moça ouviu e aplaudiu.
Alfredo despediu-se contente e feliz.
A noite que passou foi a mais deliciosa de todas. O sonho que ele procurara durante tanto tempo ia enfim realizar-se; amava a uma mulher como ele a queria e imaginava. Nenhum obstáculo se oferecia à sua ventura na terra.
No outro dia de manhã entrando no hotel, encontrou o amigo Tibúrcio; e referiu-lhe tudo. O confidente felicitou o namorado pelo triunfo que alcançara e deu-lhe logo um aperto de mão, não podendo dar-lhe, como quisera, um abraço.
— Se soubesses como vou ser feliz!
— Sei.
— Que mulher! que anjo!
— Sim! é bonita.
— Não é só bonita. Bonitas há muitas. Mas a alma, a alma que ela tem, a maneira de sentir, tudo isso e mais, eis o que faz uma criatura superior.
— Quando será o casamento?
— Ela o dirá.
— Há de ser breve.
— Dentro de três a quatro meses.
Aqui fez Alfredo um novo hino em louvor das qualidades eminentes e raras da noiva e pela centésima vez defendeu a vida romanesca e ideal. Tibúrcio observou gracejando que lhe era necessário primeiro suprimir o bife que estava comendo, observação que Alfredo teve a franqueza de achar descabida e um pouco tola.
A conversa porém não teve incidente desagradável e os dois amigos separaram-se como dantes, não sem que o noivo agradecesse ao confidente a animação que lhe dera nos piores dias do seu amor.
— Enfim, quando a vais pedir?
— Amanhã.
— Coragem!
VII
Não é minha intenção nem vem ao caso referir ao leitor todos os episódios de Alfredo Tavares.
Até aqui foi necessário contar alguns e resumir outros. Agora que o namoro chegou ao seu termo e que o período do noivado vai começar, não quero fatigar a atenção do leitor com uma narração que nenhuma variedade apresenta. Justamente três meses depois da segunda entrevista recebiam-se os dois noivos, na igreja da Lapa, em presença de algumas pessoas íntimas, entre as quais o confidente de Alfredo, um dos padrinhos. O outro era o primo de Ângela, de quem falara o cocheiro do tílburi, e que até agora não apareceu nestas páginas por não ser preciso. Chamava-se Epaminondas e tinha a habilidade de desmentir o padre que tal nome lhe dera, pregando a cada instante a sua peta. A circunstância não vem ao caso e por isso não insisto nela.
Casados os dois namorados foram passar a lua-de-mel na Tijuca, onde Alfredo escolhera casa adequada às circunstâncias e ao seu gênio poético.
Durou um mês esta ausência da corte. No trigésimo primeiro dia, Ângela viu anunciada uma peça nova no Ginásio e pediu ao marido para virem à cidade.
Alfredo objetou que a melhor comédia deste mundo não valia o aroma das laranjeiras que estavam florindo e o melancólico som do repuxo do tanque. Ângela encolheu os ombros e fechou a cara.
— Que tens, meu amor? perguntou-lhe daí a vinte minutos o marido. Ângela olhou para ele com um gesto de lástima, ergueu-se e foi encerrar-se na alcova. Dois recursos restavam a Alfredo.
1º Coçar a cabeça.
2º Ir ao teatro com a mulher.
Alfredo curvou-se a estas duas necessidades da situação.
Ângela recebeu-o muito alegremente quando ele lhe foi dizer que iriam ao teatro. — Nem por isso, acrescentou Alfredo, nem por isso deixo de sentir algum pesar. Vivemos tão bem estes trinta dias.
— Voltaremos para o ano.
— Para o ano!
— Sim, alugaremos outra casa.
— Mas então esta?...
— Esta acabou. Pois querias viver num desterro?
— Mas eu pensei que era um paraíso, disse o marido com ar melancólico. — Paraíso é coisa de romance.
A alma de Alfredo levou um trambolhão. Ângela viu o efeito produzido no esposo pelo seu reparo e procurou suavizá-lo, dizendo-lhe algumas coisas bonitas com que ele algum tempo mitigou as suas penas.
— Olha, Ângela, disse Alfredo, o casamento, como eu imaginei sempre, é uma vida solitária de dois entes que se amam... Seremos nós assim?
— Por que não?
— Juras então...
— Que seremos felizes.
(continua...)
Caroline Alves em 16/10/2025