Por Machado de Assis (1875)
Alfredo reconhecia isto mesmo; mas olhava-lhe algumas qualidades boas, e sempre o considerara seu amigo. Não hesitou portanto em dizer tudo a Tibúrcio. O amigo ouviu lisonjeado a narração.
— É de fato bonita?
— Oh! não sei como a descreva!
— Mas é rica?...
— Não sei se o é... sei que por ora tudo é inútil; pode ser que ame alguém e esteja até para casar com o tal primo, ou com outro qualquer. O certo é que eu estou cada vez pior. — Imagino.
— Que farias tu?
— Eu insistia.
— Mas se nada alcançar?
— Insiste sempre. Já arriscaste uma carta?
— Oh! não!
Tibúrcio refletiu.
— Tens razão, disse ele; seria inconveniente. Não sei que te diga; eu nunca naveguei nesses mares. Ando cá por outros, cujos parcéis conheço, e cuja bússola é conhecida por todos.
— Se eu pudesse esquecer-me dela, disse Alfredo que nenhuma atenção prestara às palavras do amigo, já tinha deixado isto de mão. Às vezes penso que estou fazendo figura ridícula, porque enfim ela é pessoa de outra sociedade...
— O amor iguala as distâncias, disse sentenciosamente Tibúrcio.
— Então parece-te?...
— Parece-me que deves continuar como hoje; e se daqui a algumas semanas mais nada houveres adiantado, fala-me porque eu terei meio de te dar algum conselho bom. Alfredo apertou fervorosamente as mãos do amigo.
— Entretanto, continuou este, seria bom que eu a visse; talvez que, não estando namorado como tu, possa conhecer-lhe o caráter e saber se é frieza ou soberba o que a faz até agora esquiva.
Interiormente Alfredo fez uma careta. Não lhe parecia conveniente passar por casa de Ângela acompanhado de outro, o que tiraria ao seu amor o caráter romântico de um padecimento solitário e discreto. Era entretanto impossível recusar nada a um amigo que se interessava por ele. Convieram em que iriam nessa mesma tarde a Mata-cavalos. — Acho bom, disse o namorado alegre com uma idéia súbita, acho bom que não passemos juntos; tu irás adiante e eu um pouco atrás.
— Pois sim. Mas estará ela à janela hoje?
— Talvez; estes últimos cinco dias tenho-a visto sempre à janela.
— Oh! isso é já um bom sinal.
— Mas não olha para mim.
— Dissimulação!
— Aquele anjo?
— Eu não creio em anjos, respondeu filosoficamente Tibúrcio, não creio em anjos na terra. O mais que posso conceder neste ponto é que os haja no céu; mas é apenas uma hipótese vaga.
IV
Nessa mesma tarde foram os dois a Mata-cavalos, na ordem convencionada. Ângela estava à janela, acompanhada da tia velha e da irmã mais moça. Viu de longe o namorado, mas não fitou os olhos nele; Tibúrcio pela sua parte não desviava os seus da formosa dama. Alfredo passou como sempre.
Os dois amigos foram reunir-se quando já não podiam estar ao alcance dos olhos dela. Tibúrcio fez um elogio à beleza da moça que o amigo ouviu encantado, como se lhe estivessem a elogiar uma obra sua.
— Oh! hei de ser muito feliz! exclamou ele num acesso de entusiasmo. — Sim, concordou Tibúrcio; creio que hás de ser feliz.
— Que me aconselhas?
— Mais alguns dias de luta, uns quinze, por exemplo, e depois uma carta... — Já tinha pensado nisso, disse Alfredo; mas receava errar; precisava da opinião de alguém. Uma carta, assim, sem nenhum fundamento de esperança, sai fora da norma comum; por isso mesmo me seduz. Mas como hei de mandar a carta? — Isto agora é contigo, disse Tibúrcio; vê se tens meio de travar relações com algum criado da casa, ou...
— Ou o cocheiro do tílburi! exclamou triunfalmente Alfredo Tavares. Tibúrcio exprimiu com a cara o último limite do assombro ao ouvir estas palavras de Alfredo; mas o amigo não se deteve em explicar-lhe que havia um cocheiro de tílburi meio confidente neste negócio. Tibúrcio aprovou o cocheiro; ficou assentado que o meio da carta seria aplicado.
Os dias correram sem incidente notável. Perdão; houve um notável incidente. Alfredo passava uma tarde por baixo das janelas de Ângela. Ela não olhava para ele. De repente Alfredo ouve um pequeno grito e vê passar-lhe por diante dos olhos alguma coisa parecida com um lacinho de fita.
Era efetivamente um lacinho de fita que caíra no chão. Alfredo olhou para cima; já não viu a viúva. Olhou em roda de si, abaixou-se, apanhou o laço e guardou-o na algibeira. Dizer o que havia dentro da sua alma naquele venturoso instante é tarefa que pediria muito tempo e mais adestrado pincel. Alfredo mal podia conter o coração. A vontade que tinha era beijar ali mesmo na rua o laço, que ele já considerava uma parte da sua bela. Reprimiu-se contudo; foi até o fim da rua; voltou por ela; mas, contra o costume daqueles últimos dias, a moça não apareceu.
Esta circunstância era suficiente para fazer crer na casualidade da queda do laço. Assim pensava Alfredo; ao mesmo tempo porém perguntava se não era possível que Ângela, envergonhada da sua audácia, quisesse agora evitar a presença dele e não menos as vistas curiosas da vizinhança.
— Talvez, dizia ele.
Daí a um instante:
(continua...)
Caroline Alves em 16/10/2025