Por Gregório de Matos (1650)
atado das mãos da Igreja veio ao braço secular:
a empuxões, e a gritar
deu baque o Padre Loureiro: riu-se muito o carcereiro,
mas eu muito mais me ri, pois nunca Loureiro vi
enxertado em Limoeiro.
No argumento, com que vem da navegação moral,
diz bem, e argumenta mal, diz mal, e argumenta bem:
porém não cuide ninguém, que com tanta matinada deixou de fazer jornada,
porque a sua teima astuta o pôs de coberta enxuta, mas mal acondicionada.
O Mestre, ou o capitão
(diz o Padre Fr. Orelo), que há de levar um capelo, se não levar capelão:
vinha branco, e negro pão
diz, que no mar fez a guerra, pois logo sem razão berra, quando na passada mágoa trouxe vinho como água, e farinha como terra.
Com gritos a casa atroa, e quando o caso distinga, quer vomitar na moxinga, antes que cagar na proa:
querer levá-lo a Lisboa
com brandura, e com carinho,
mas o Padre é bebedinho, e ancorado a porfiar
diz, que não quer navegar
salvo por um mar de vinho.
Aquentou muito a História sobre outras ações velhacas
ter-lhe aborcado as patacas .o magano do Chicória:
mas sendo a graça notória, diz o Padre na estacada, que ficarão a pancada,
quando um, e outro desfeche se o Loureiro de escabeche, o Chicória de selada.
AO VIGÁRIO DA MADRE DE DEOS MANUEL RODRIGUES QUEIXA O POETA DE TEZ CLÉRIGOS QUE LHE FORAM A CASA PELA FESTA DO NATAL, ONDE TAMBÉM ELE ESTAVA E COM GALANTARIA O PERSUADE, A QUE SACUDA OS HOSPEDES FORA DE CASA PELO GASTO, QUE FAZIAM.
Padre, a casa está abrasada, porque é mais danosa empresa pôr três bocas numa mesa,
que trezentas numa espada:
esta trindade sagrada,
com que toda a case abafa a tomara ver já safa,
porque à casa não convém trindade, que em si contém três Pessoas, e uma estafa.
Vós não podeis sem dar pena pôr à mesa três Pessoas,
nem sustentar três coroas em cabeça tão pequena:
se a fortuna vos condena, que vejais a casa rasa
com gente, que tudo abrasa,
não sofro, que desta vez vos venham coroas três fazer princípio de casa.
Se estamos na Epifania, e os três coroas são Magos, hão de fazer mil estragos no caju, na valancia:
mágica é feitiçaria,
e a terra é tão pouco esperta, e a gentinha tão incerta,
que os três a vosso pesar
não vos hão de oferta dar,
e hão de mamar-vos a oferta.
O incenso, o ouro, a mirra que eles vos hão de deixar, é, que vos hão de mirrar,
se vos não defende um irra: o Crasto por pouco espirra,
porque é dado a valentão, e se lhe formos à mão
no comer, e no engolir, aqui nos há de frigir
como postas de cação.
AOS MESMOS PADRES HOSPEDES ENTRE OS QUAIS VINHA O Pe PERICO, QUE ERA PEQUENINO.
Vieram Sacerdotes dois e meio
Para a casa do grande sacerdote,
Dous e meio couberam em um bote, Notável carga foi para o granjeiro.
O barco, e o Arrais, que ia no meio,
Tanto que em terra pôs um, e outro zote,
Se foi buscar a vida a todo o trote, Deixando a carga, o susto, e o recreio.
Assustei-me em ver tanta clerezia,
Que como o trago enfermo de remela, Cuidei, vinham rezar-me a agonia.
Porém ao pôr da mesa, e postos nela,
Entendi, que vieram da Bahia
Não mais que por papar a cabidela.
AO MESMO VIGÁRIO GALANTEIA O POETA FAZENDO CHISTES DE UM MIMO, QUE LHE MANDARA BRITES UMA GRACIOSA COMADRE SUA, ENTRE O QUAL VINHA PARA O POETA UM CAJÚ.
Ao Padre Vigário a flor, ao pobre Doutor o fruto,
há nisto, que dizer, muito, e dirá muito o Doutor:
tenho por grande favor,
que a título de compadre
deis, Brites, a flor ao Padre:
mas dando-me o fruto a mim, o que se me deu assim,
é força, que mais me quadre.
Quadra-me, que o fruto influa, que uma flor, que eu não queria,
Se dê, a quem principia e o fruto, a quem continua: se o fruto faz, que se argua,
que eu sou o dono da planta, a flor seja tanto, ou quanta,
sempre o dono a quer perdida, porque pelo chão caída
faz, que o fruto se adianta.
Quem é do fruto Senhor sabe as Leis d'agricultura,
que todo o fruto assegura, e despreza toda a flor:
e inda que chamam favor dar a sua flor a Dama
àquele, por quem se inflama eu entendo de outro modo,
e ao fruto mais me acomodo,
que honra, e proveito se chama.
Porque na testa vos entre o mistério, que isto encerra,
quem me dá o fruto da terra, me pode dar do seu ventre:
e porque se reconcentre este vaticínio imundo
no vosso peito fecundo, digo qual bem augureiro, que quem me deu o primeiro, me pode dar o segundo.
O Padre andou muito tolo em vos estimar a flor,
porque era folha o favor, e o meu todo era miolo: com meu favor me consolo de sorte, e tão por inteiro,
que afirmou por derradeiro,
que um favor, e outro suposto, eu levo de vós o gosto,
e o Padre vigário o cheiro.
Eu do Vigário zombei, porque vejo, que levou
uma flor, que se murchou, e eu o fruto vos papei:
este exemplo lhe gravei, y este desengaño doy
dela dicha, em que me estoy cantando a su flor ansi, que ayer maravilla fui,
y oy sombra mia aun no soy.
AO CELEBRE FR. JOANICO COMPREENDIDO EM LISBOA EM CRIMES DE SODOMITA.
(continua...)
BRASIL. Crônica do Viver Baiano Seiscentista. Portal Domínio Público. Disponível em: https://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=16657. Acesso em: 30 nov. 2025.