Por Gregório de Matos (1650)
que a cunha do mesmo pau em obras de bacalhau fecha como cadeado.
Com toda esta cornualha diz ele cego do amor,
que as negras tudo é primor, e as brancas tudo canalha:
isto faz a erva, e palha,
de que o burro se sustenta,
que um destes não se contenta salvo se lhe dão por capa
para a rua numa gualdrapa, para a cama uma jumenta.
Há bulhas minto renhidas em havendo algum ciúme,
porque ele sempre presume
de as ver sempre presumidas: mas elas de mui queridas
vendo, que o Padre de borra em fogo de amor se torra,
andam por negar-lhe a graça elas com ele de massa,
se ele com elas à porra.
Veio uma noite de fora, e achando em seu vitupério a mulata em adultério
tocou alarma por fora: e por que pegou com mora
no raio do chumbo ardente, foi-se o cão seguramente:
que como estava o coitado tão leve, e descarregado se pôde ir livremente.
Porque é grande demandão o senhor zote Miranda,
que tudo, o que vê demanda,
seja de quem for o chão: por isso o Padre cabrão
de continuo está a jurar
que os cães lhe hão de pagar, e que as fadas, que tem dado, lhas hão de dar de contado, e ele as há de recadar.
AO PADRE MANUEL ALVARES CAPELÃO DA MARAPÉ REMOQUEANDO AO POETA UMA PEDRADA QUE LHE DERAM DE NOITE ESTANDO SE PROVENDO:
PERGUNTANDO-LHE PORQUE SE NÃO SATIRIZAVA DELA! ESCANDALIZADO, E PICADO, PORQUE O POETA HAVIA SATIRIZADO OS CLÉRIGOS, QUE VINHAM DE PORTUGAL.
Não me espanto, que você, meu Padre, e meu camarada, me desse a sua cornada sendo rês de Marapé: mas o que lhe lembro, é, que se acaso a carapuça da sátira se lhe aguça, e na testa se ajustou,a
a chuçada eu não lhe dou, você se meta na chuça.
E se por estes respeitos diz, que versos não farei à pedrada, que eu levei
quando fazia os meus feitos:
agora os dará por feitos,
pois eu de boga arrancada a uma, e outra pedrada os faço, à que levei já,
e à que agora você dá,
que é inda maior pedrada.
Era pelo alto serão, fazia um luar tremendo, quando eu estava fazendo ou câmara, ou vereação:
não sei, que notícia então
teve um Moço, um boa-peça, pôs-se à janela com pressa tão sem propósito algum, que quis ter comigo um
quebradeiro de cabeça.
Cum torrão na mão se apresta, e tirando-o com seu momo me fez o memento homo,
pondo-me a terra na testa: fez-me uma pequena fresta, de que arto Sangue corria, mas eu disse, quem seria um Médico tão sem lei,
que primeiro me purguei,
do que levasse a sangria.
Ergui-me com pressa tanta, que um amigo me gritou, inda agora se purgou,
tão depressa se levanta?
Sim, Senhor, de que se espanta?
Se este Médico, este tramposo é médico tão forçoso,
que faz levantar num dia
depois de curso, e sangria ao doente mais mimoso.
Este caso, e desventura foi na verdade, contado,
e sendo eu por mim curado, o Moço me deu a cura:
com uma, e outra brabura jurei, e prometi, que
lhe daria um pontapé: mas o Moço acautelado me deixou calamocado para servir a você.
ENTRA AGORA O POETA A SATIRIZAR O DITO PADRE.
Reverendo Padre Alvar, basta, que por vossos modos saís a campo por todos os Mariolas de altar? mal podia em vos falar,
quem notícia, nem suspeita tem d’asno de tão má seita: mas como vos veio ao justo a sátira, estais com susto, de que por vós fora feita.
Convosco a minha camena não fala, se vos não poupa, porque sois mui fraca roupa para alvo da minha pena: se alguém se queima, e condena, por que vê, que os meus apodos vão frisando por seus modos, ninguém os tome por si, um pelo outro isso si,
que assim frisarão com todos.
Vós com malícia veloz aplicai-o a um coitado,
que este tal terá cuidado de vo-lo aplicar a vós:
desta aplicação atroz
de um por outro, e outro por um, como não livrar nenhum, ninguém do Poeta então se virá a queixar, senão
do poema que é comum.
Bonetes na minha mão, como os lanço ao ar direitos, caindo em vários sujeitos
nuns servem, e noutros não: não consiste o seu senão,
nem menos está o seu mal na obra, ou no oficial, está na torpe cabeça,
que se ajusta, e endereça pelos moldes de obra tal.
E pois, Padre, vos importa nos meus moldes não entrar, deveis logo endireitar
a cabeça, que anda torta: mas sendo uma praça morta, e um zotíssimo ignorante vir-vos-á a Musa picante
a vós, Padre mentecapto, de molde como sapato, e ajustada como um guante.
Outra vez vos não metais sentir alheios trabalhos,
que dirão, que comeis alhos galegos, pois vos queimais:
e porque melhor saibais,
que os zotes, de que haveis dor, são de abatido valor,
vede nos vossos sentidos,
quais serão os defendidos,
sendo vós o defensor.
AO PADRE MANUEL DOMINGUES LOUREIRO QUE REHUSANDO IR POR CAPELÃO PARA ANGOLA POR ORDEM DE SUA ILUSTRÍSSIMA, FOI AO DEPOIS PREZO, E MALTRATADO, PORQUE RESISTIU AS ORDENS DO MESMO PRELADO.
Para esta Angola enviado vem por força do destino, um marinheiro ao divino, ou mariola sagrado:
com ser no monte gerado o espírito lhe notei,
que com ser besta de lei,
tanto o ser vilão esconde,
que vem da vila do conde morar na casa d'EI-Rei.
Por não querer embarcar com ousadia sobeja
(continua...)
BRASIL. Crônica do Viver Baiano Seiscentista. Portal Domínio Público. Disponível em: https://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=16657. Acesso em: 30 nov. 2025.