Por Gregório de Matos (1650)
Ouvir é um grande prazer, e vê-lo é um gosto sumo,
quando diz "os meus fregueses”
sem temor de um abrenuntio.
Item é um grande prazer nas manhãs, em que madrugo vê-lo repicar o sino,
para congregar o vulgo.
E como ninguém acode, se fica o triste mazulo em solitária estação
dizendo missa aos defuntos: Quando o Frisão considero, o menos que dele cuido, é ser Pároco boneco
feito de trapos imundos.
RETRATO DO MESMO CLÉRIGO.
Pois me enfada o teu feitio, quero, Frisão, neste dia
retratar-te em quatro versos
as maravi, maravi, maravilhas.
Ouçam, olhem, venham, venham, verão o Frisão, da Bahia, que está retratado
às maravi, maravi, maravilhas.
A cara é um fardo de arroz, que por larga, e por comprida é ração de um Elefante vindo da Índia.
Ouçam, olhem, venham, venham, verão o Frisão da Bahia, que está retratado
às maravi, maravi, maravilhas
A boca desempenada é a ponte de Coimbra,
onde não entram, nem saem, mais que mentiras.
Ouçam, olhem, venham, venham, verão o Frisão da Bahia
que está retratado
às maravi, maravi, maravilhas.
Não é a língua de vaca por maldizente, e maldita, mas pelo muito, que corta de Tiriricas.
Ouçam, olhem, venham, venham, verão o Frisão da Bahia, que está retratado
às maravi, maravi, maravilhas.
No corpanzil torreão a natureza prevista
formou a fresta da boca para guarita.
Ouçam, olhem, venham, venham, verão o Frisão da Bahia, que está retratado
às maravi, maravi, maravilhas.
Quisera as mãos comparar-lhe às do Gigante Golias,
se as do Gigante não foram
tão pequeninas.
Ouçam, olhem, venham, venham, verão o Frisão da Bahia, que está retratado
às maravi, maravi, maravilhas
Os ossos de cada pé encher podem de relíquias para toda a cristandade as sacristias.
Ouçam, olhem, venham, venham, verão o Frisão da Bahia, que está retratado
às maravi, maravi, maravilhas.
É grande conimbricense, sem jamais pôr pé em Coimbra, e sendo ignorante sabe mais que galinha.
Ouçam, olhem, venham, venham, verão o Frisão da Bahia,
que está retratado
às maravi, maravi, maravilhas.
Como na lei de Mafoma não se argumenta, e se briga ele, que não argumenta, tudo porfia.
Ouçam, olhem, venham, venham, verão
o Frisão da Bahia, que está retratado
às maravi, maravi, maravilhas.
AO MESMO CLÉRIGO APELIDANDO DE ASNO AO POETA
Padre Frisão, se vossa Reverência
Tem licença do seu vocabulário
Para me pôr um nome incerto, e vário, Pode fazê-lo em sua consciência:
Mas se não tem licença, em penitência
De ser tão atrevido, e temerário Lhe quero dar com todo o Calendário, Mais que a testa lhe rompa, e a paciência.
Magano, infame, vil alcoviteiro,
Das dodas corretor por dous tostões, E enfim dos arreitaços alveitar:
Tudo isto é notório ao mundo inteiro, Se não seres tu obra dos culhões De Duarte Garcia de Bivar.
AO MESMO COM PRESUNÇÕES DE SÁBIO, E ENGENHOSO.
Este Padre Frisão, este sandeu
Tudo o demo lhe deu, e lhe outorgou,
Não sabe musa , que estudou, Mas sabe as ciências, que nunca aprendeu.
Entre catervas de asnos se meteu,
E entre corjas de bestas se aclamou, Naquela Salamanca o doutorou, E nesta salacega floresceu.
Que é um grande alquimista, isso não nego, Que alquimistas do esterco tiram ouro, Se cremos seus apógrafos conselhos.
E o Frisão as Irmãs pondo ao pespego,
Era força tirar grande tesouro,
Pois soube em ouro converter pentelhos.
A OUTRO CLÉRIGO AMIGO DO FRIZÃO, QUE SE DIZIA ESTAR AMANCEBADO DE PORTAS ADENTRO COM DUAS MULHERES COM UMA NEGRA, E OUTRA MULATA.
A vós, Padre Baltasar, vão os meus versos direitos, porque são vossos defeitos mais que as areias do mar: e bem que estais num lugar tão remoto, e tão profundo com concubinato imundo,
como sois Padre Miranda, o vosso pobre tresanda
pelas conteiras do mundo.
Cá temos averiguado, que os vossos concubinatos
são como um par de sapatos um negro, outro apolvilhado:
de uma, e outra cor calçado saís pela porta fora,
hora negra, e parda hora, que um zote camaleão
toda a cor toma, senão
que a da vergonha o não cora.
Vossa luxúria indiscreta é tão pesada, e violenta,
que em dous putões se sustenta uma Mulata, e uma Preta:
c’uma puta se aquieta
o membro mais desonesto,
porém o vosso indigesto,
há mister na ocasião a negra para trovão,
e a parda para cabresto.
Sem uma, e outra cadela não se embarca o Polifemo,
porque a negra o leva a remo, e a mulata o leva a vela:
ele vai por sentinela,
porque elas não dêem a bomba; porém como qualquer zomba
do Padre, que maravilha,
que elas disponham da quilha, e ele ao feder faça tromba.
Elas sem mágoa, nem dor lhe põem os cornos em pinha, porque a puta, e a galinha, têm o ofício de pôr:
ovos a franga pior,
cornos a puta mais casta,
e quando a negra se agasta, e c’o Padre se disputa,
lhe diz, que antes quer ser puta, que fazer com ele casta.
A negrinha se pespega c’um amigão de corona,
que sempre o Frisão se entona, que ao maior amigo apega: a mulatinha se esfrega
c’um mestiço requeimado destes do pernil tostado,
(continua...)
BRASIL. Crônica do Viver Baiano Seiscentista. Portal Domínio Público. Disponível em: https://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=16657. Acesso em: 30 nov. 2025.