Por Machado de Assis (1877)
Pois não... Ah! ela está boa?
MARGARIDA
Está. Até já. (baixo ao coronel) Silêncio.
Cena III
CORONEL, TITO
TITO
Como vão os seus amores?
CORONEL
Que amores?
TITO
Os seus, a Emília... Já lhe fez compreender toda a imensidade da paixão que o devora?
CORONEL
(ar mofado)
Qual... Preciso de algumas lições... Se mas quisesse dar?...
TITO
Eu? Está sonhando!
CORONEL
Ah! eu sei que o senhor é forte... É modesto, mas é forte... é até fortíssimo!... Ora, eu sou realmente um aprendiz... Tive há pouco a idéia de desafiá-lo.
TITO
A mim?
CORONEL
É verdade, mas foi uma loucura de que me arrependo.
TITO
Além de que, não é uso em nosso país...
CORONEL
Em toda a parte é uso vingar a honra.
TITO
Bravo, D. Quixote!
CORONEL
Ora, eu acreditava-me ofendido na honra.
TITO
Por mim?
CORONEL
Mas emendei a mão; reparei que era antes eu quem ofendia, pretendendo lutar com um mestre, eu, simples aprendiz...
TITO
Mestre de quê?
CORONEL
Dos amores. Oh! eu sei que é mestre...
TITO
Deixe-se disso... eu não sou nada... O coronel, sim; o coronel vale um urso, vale mesmo dois. Como havia de eu... Ora! Aposto que teve ciúmes?
CORONEL
Exatamente.
TITO
Mas era preciso não me conhecer, não saber das minhas idéias...
CORONEL
Homem, às vezes é pior.
TITO
Pior, como?
CORONEL
As mulheres não deixam uma afronta sem castigo... As suas idéias são afrontosas... Qual será o castigo?... (depois de uma pausa) Paro aqui... paro aqui...
TITO
Onde vai?
CORONEL
Vou sair. Adeus. Não se lembre mais da minha desastrada idéia do duelo...
TITO
Isso está acabado... Ah! você escapou de boa!
CORONEL
De quê?
TITO
De morrer. Eu enfiava-lhe a espada por esse abômen... com um gosto... com um gosto só comparável ao que tenho de abraçá-lo vivo e são!
CORONEL
(com um riso amarelo)
Obrigado, obrigado. Até logo!
TITO
Não se despede dela?
CORONEL
Eu volto já...
Cena IV
TITO
(só)
Este coronel não tem nada de original... Aquela opinião a respeito das mulheres não é dele... Melhor, vai-se confirmando... Nem me são precisas novas confirmações... Já sei tudo... Ah! minha conquistadora!... Aí vêm as duas...
Cena V
TITO, MARGARIDA, EMÍLIA
EMÍLIA
Bons olhos o vejam...
TITO
Bons e bonitos...
MARGARIDA
Vamos à nossa visita.
TITO
Ah!...
EMÍLIA
A demora é pouca... Pode esperar-nos...
TITO
Obrigado... Esperarei... Tenho a janela para olhá-las até perdê-las de vista... Depois tenho estes álbuns, estes livros...
EMÍLIA
(ao espelho)
Tem o espelho para se mirar...
TITO
Oh! isso é completamente inútil para mim!
Cena VI
Os mesmos, SEABRA
SEABRA
(a Tito)
Oh! Finalmente acordaste!
TITO
É verdade... Não me lembro de ter passado nunca tão belas noites como estas de Petrópolis. Já nem tenho pesadelos... Pois olha, eu era vítima... Agora não, durmo como um justo...
SEABRA
(às duas)
Estão de volta?
MARGARIDA
Ainda agora vamos!
SEABRA
Então tenho ainda de esperar?...
EMÍLIA
Um simples quarto de hora...
SEABRA
Só?
TITO
Um quarto de hora feminino... meia eternidade...
EMÍLIA
Vamos desmenti-lo...
TITO
Ah! Tanto melhor...
MARGARIDA
Até já... (saem as duas)
Cena VII
TITO, SEABRA
SEABRA
Ora, esperemos ainda...
TITO
Onde foste?
SEABRA
Fui passear... Compreendi que é preciso ver e admirar o que é indiferente, para apreciar e ver melhor aquilo que for a felicidade íntima do coração.
TITO
Ali! Sim? Bem vês que até a felicidade por igual fatiga! Afinal sempre a razão está do meu lado...
SEABRA
Talvez... Apesar de tudo quer-me parecer que já intentas entrar na família dos casados.
TITO
Eu?
SEABRA
Tu, sim.
TITO
Por quê?
SEABRA
Mas, dize; é ou não verdade?
TITO
Qual, verdade!
SEABRA
O que sei é que uma destas tardes, em que adormeceste lendo, não sei que livro, ouvi-te pronunciar em sonhos, com a maior ternura, o nome de Emília.
TITO
Deveras?
SEABRA
É exato. Concluí que se sonhavas com ela é que a tinhas no pensamento, e se a tinhas no pensamento é que a amavas.
TITO
Concluíste mal.
SEABRA
Mal?
TITO
Concluíste como um marido de cinco meses. Que prova um sonho?
SEABRA
Prova muito!
TITO
Não prova nada! Pareces velha supersticiosa...
SEABRA
Mas enfim alguma coisa há, por força... Serás capaz de me dizeres o que é?
TITO
Homem, podia dizer-te alguma coisa se não fosses casado...
SEABRA
Que tem que eu seja casado?
TITO
Tem tudo. Serias indiscreto sem querer e até sem saber. À noite, entre um beijo e um bocejo, o marido e a mulher abrem, um para o outro, a bolsa das confidências. Sem pensares, deitavas tudo a perder.
SEABRA
Não digas isso. Vamos lá. Há novidade?
TITO
Não há nada.
SEABRA
Confirmas as minhas suspeitas. Gostas de Emília.
TITO
Ódio não lhe tenho, é verdade.
SEABRA
Gostas. E ela merece. É uma boa senhora, de não vulgar beleza, possuindo as melhores qualidades. Talvez preferisses que não fosse viúva?...
TITO
(continua...)
ASSIS, Machado de. As forças caudinas. In: ___. Teatro de Machado de Assis. São Paulo: Martins Fontes, 2003. Publicado originalmente em 1877