Por Machado de Assis (1887)
D. Joana não contava com semelhante desenlace, e abençoou a viúva que, pretendendo casar com o velho, sugeriu-lhe a idéia de fazer o mesmo e a encaminhou àquele resultado. O sobrinho José é que estava longe de crer que havia trabalhado simplesmente para a caseira; tentou ainda impedir a realização do plano do tio, mas este às primeiras palavras fê-lo desanimar.
— Desta vez, não cedo! respondeu ele; conheço as virtudes de D. Joana, e sei que pratico um ato digno de louvor.
— Mas...
— Se continuas, pagas-me!
José recuou e não teve outro remédio mais que aceitar os fato consumados. O pobre septuagenário treslia evidentemente.
D. Joana tratou de apressar o casamento, receosa de que, ou algumas das várias moléstias de João Barbosa, ou a própria velhice desse cabo dele, antes de arranjadas as coisas. Um tabelião foi chamado, e tratou, por ordem do noivo, de preparar o futuro de D. Joana.
Dizia o noivo:
— Se eu não tiver filhos, desejo...
— Descanse, descanse, respondeu o tabelião.
A notícia desta resolução e dos atos subseqüentes chegou aos ouvidos de D. Lucinda, que mal pôde crer neles.
— Compreendo que me fugisse; eram intrigas daquela... daquela criada! exclamou ela. Depois ficou desesperada; interpelou o destino, deu ao diabo todos os seus infortúnios. — Tudo perdido! tudo perdido! dizia ela com uma voz arrancada às entranhas. Nem D. Joana nem João Barbosa a podiam ouvir. Eles viviam como dois namorados jovens, embebidos no futuro. João Barbosa planeava mandar construir uma casa monumental em algum dos arrabaldes onde passaria o resto de seus dias. Conversavam das divisões que a casa devia ter, da mobília que lhe convinha, da chácara, e do jantar com que deviam inaugurar a residência nova.
— Quero também um baile! dizia João Barbosa.
— Para quê? Um jantar basta.
— Nada! Há de haver grande jantar e grande baile; é mais estrondoso. Demais, quero apresentar-te à sociedade como minha mulher, e fazer-te dançar com algum adido de legação. Sabes dançar?
— Sei.
— Pois então! Jantar e baile.
Marcou-se o dia de ano bom para celebração do casamento.
— Começaremos um ano feliz, disseram ambos.
Faltavam ainda dez dias, e D. Joana estava impaciente. O sobrinho José, alguns dias arrufado, fez as pazes com a futura tia. O outro aproveitou o ensejo de vir pedir o perdão do tio; deu-lhe os parabéns e recebeu a bênção. Já agora não havia remédio senão aceitar de boa cara o mal inevitável.
Os dias aproximaram-se com uma lentidão mortal; nunca D. Joana os vira mais compridos. Os ponteiros do relógio pareciam padecer de reumatismo; o sol devia ter por força as pernas inchadas. As noites pareciam-se com as da eternidade. Durante a última semana João Barbosa não saiu de casa; todo ele era pouco para contemplar a próxima companheira de seus destinos. Enfim raiou a aurora cobiçada. D. Joana não dormia um minuto sequer, tanto lhe trabalhava o espírito. O casamento devia ser feito sem estrondo, e foi uma das vitórias de D. Joana, porque o noivo falava em um grande jantar e meio mundo de convidados. A noiva teve prudência; não queria expor-se e expô-lo a comentários. Conseguira mais; o casamento devia ser celebrado em casa, num oratório preparado de propósito. Pessoas de fora, além dos sobrinhos, havia duas senhoras (uma das quais era madrinha) e três cavalheiros, todos eles e elas maiores de cinqüenta.
D. Joana fez sua aparição na sala alguns minutos antes da hora marcada para celebração do matrimônio. Vestia com severidade e simplicidade.
Tardando o noivo, ela mesma o foi buscar.
João Barbosa estava no gabinete já pronto, sentado ao pé de uma mesa, com uma das mãos calçadas.
Quando D. Joana entrou deu com os olhos no grande espelho que ficava defronte e que reproduzia a figura de João Barbosa; este estava de costas para ela. João Barbosa fitava a rindo, um riso de bem-aventurança.
— Então! disse D. Joana.
Ele continuava a sorrir e a fitá-la; ela aproximou-se, rodeou a mesa, olhou-o de frente. — Vamos ou não?
João Barbosa continuava a sorrir e a fitá-la. Ela aproximou-se e recuou espavorida. A morte o tomara; era a melhor das noivas.
(continua...)
ASSIS, Machado de. A melhor das noivas. Jornal das Famílias, Rio de Janeiro, 1877.