Por Machado de Assis (1875)
Para ele a cousa estava resolvida. Depois da explicação dada e dos termos em que falara da outra, a escolha natural era Isabel. Sua idéia foi não procurar mais a outra. Não o pôde fazer à vista de um bilhete que no fim de três dias recebeu da moça. Pedia-lhe ela que fosse lá instantemente. Júlio foi. Luísa recebeu-o com um sorriso triste. Quando puderam falar a sós:
— Quero saber da sua boca o meu destino, disse ela. Estarei definitivamente condenada?
— Condenada!
— Sejamos francos, continuou a moça. Eu e a Isabel falamos no senhor; vim a saber que também a namorava. A sua consciência lhe dirá que praticou um ato indigno. Mas enfim, pode resgatá-lo com um ato de franqueza. A qual de nós escolhe, a mim ou a ela?
A pergunta era de atrapalhar o pobre Júlio, nada menos que por duas grandes razões: a primeira era ter de responder em face; a segunda era ter de responder em face de uma moça bonita. Hesitou alguns largos minutos. Luísa insistiu; mas ele não se atrevia a romper o silêncio.
— Bem, disse ela, já sei que me despreza.
— Eu!
— Não importa; adeus.
Ia a voltar as costas; Júlio segurou-lhe na mão.
— Oh! não! Pois não vê que este meu silêncio é de comoção e de confusão. Confunde-me realmente que descobrisse uma cousa em que eu pouca culpa tive. Namorei-a por passatempo; não foi Isabel nunca uma rival sua no meu coração. Demais, ela não lhe contou tudo; naturalmente escondeu a parte em que a culpa lhe cabia. E a culpa é também sua...
— Minha?
— Sem dúvida. Pois não vê que ela tem interesse em separar-nos?... Se lhe referir, por exemplo, o que se está passando agora entre nós fique certa de que ela há de inventar alguma cousa para de todo separar-nos, contando depois com a sua beleza para cativar o meu coração, como se a beleza de uma Isabel pudesse fazer esquecer a beleza de uma Luísa. Júlio ficou satisfeito com este pequeno discurso, assaz astuto para enganar a moça. Esta, depois de algum tempo de silêncio, estendeu-lhe a mão:
— Jura-me o que está dizendo?
— Juro.
— Então será meu?
— Unicamente seu.
Assim celebrou Júlio os dous tratados de paz, ficando na mesma situação em que se achava anteriormente. Já sabemos que a sua fatal indecisão era a causa única da crise em que os acontecimentos o puseram. Era forçoso decidir alguma cousa; e a ocasião ofereceu-se-lhe propícia.
Perdeu-a, entretanto; e dado que quisesse casar, e queria, nunca estivera mais longe do casamento.
CAPÍTULO VI
Cerca de seis semanas foram assim correndo sem resultado algum prático.
Um dia, achando-se em conversa com um primo de Isabel, perguntou-lhe se teria gosto em vê-lo na família.
— Muito, respondeu Fernando (era assim o nome do primo). Júlio não deu explicação da pergunta. Instado respondeu: — Fiz-lhe a pergunta por uma razão que saberá mais tarde. — Quererá talvez casar com alguma das manas?...
— Não posso dizer nada por ora.
— Olha aqui, Teixeira, disse Fernando, a um terceiro rapaz, primo de Luísa, e que nessa ocasião se achava em casa de D. Anastácia. — Que é? perguntou Júlio assustado.
— Nada, respondeu Fernando, vou comunicar ao Teixeira a notícia que o senhor me deu.
— Mas eu...
— É nosso amigo, posso ser franco. Teixeira, sabe o que me disse o Júlio?
— Que foi?
— Disse-me que vai ser meu parente.
— Casando com alguma irmã tua.
— Não sei; mas disse isso. Não te parece motivo de congratulação? — Sem dúvida, concordou Teixeira, é um perfeito cavalheiro. — São obséquios, interveio Júlio; e se eu alguma vez alcançasse a fortuna de entrar...
Júlio interrompeu-se; lembrou-se que Teixeira podia ir contar tudo à prima Luísa, e fosse inibido de escolher entre ela e Isabel. Os dous quiseram saber o resto; mas Júlio preferiu convidá-los a jogar o solo, e não houve meio de arrancar-lhe palavra.
A situação porém devia acabar.
Era impossível continuar a vacilar entre as duas moças, que ambas lhe queriam muito, e a quem ele queria com perfeita igualdade não sabendo qual delas escolhesse.
"Sejamos homem, disse Júlio consigo. Vejamos: qual delas devo ir pedir? A Isabel. Mas a Luísa é tão bonita! Será a Luísa. Mas é tão formosa a Isabel! Que diabo! Por que razão não há de uma delas ter um olho furado? ou uma perna torta!"
E depois de algum tempo:
"Vamos, sr. Júlio, dou-lhe três dias para escolher. Não seja tolo. Decida com isto por uma vez."
E enfim:
"Verdade é que uma delas há de odiar-me. Mas paciência! fui eu mesmo que me meti nesta embrulhada; e o ódio de uma moça não pode doer muito. Avante!"
No fim de dous dias ainda ele não tinha escolhido; recebeu porém uma carta de Fernando concebida nestes termos:
Meu caro Júlio.
Participo-lhe que brevemente casarei com a prima Isabel; desde já o convido para a festa; se soubesse como estou contente! Venha cá para conversarmos.
Fernando.
Não é preciso dizer que Júlio foi às nuvens. O passo de Isabel simplificava muito a situação dele; todavia, não queria ser assim despedido como um tolo. Exprimiu a sua cólera por meio de alguns murros na mesa; Isabel, por isso mesmo que já não a podia possuir, parecia-lhe agora mais bonita que Luísa.
(continua...)
ASSIS, Machado de. Casa, Não Casa. Jornal das Famílias, Rio de Janeiro, 1875-1876.