Por Machado de Assis (1886)
Ora, Malvina desejava ver Tomás amando outra, estimado pelo pai, mas queria vê-lo. Este amor de Malvina, que se apascentava com a felicidade da outra, e só com a vista do objeto amado, este amor não diminuiu, cresceu na ausência, e cresceu muito. A moça nem já podia conter as suas lágrimas; vertia-as insensivelmente todos os dias.
* * *
Um dia Tomás recebeu uma carta de seu pai participando-lhe que Elisa se ia casar com um jovem deputado. Tibério Valença fazia do futuro genro a pintura mais lisonjeira. Era a todos os respeitos um homem distinto e digno da estima de Elisa.
Tomás aproveitou a ocasião, e na resposta que deu a essa carta apresentou a Tibério
Valença a idéia de fazê-lo voltar para assistir ao casamento de sua irmã. E procurou lembrar isto no tom mais indiferente e frio deste mundo.
Tibério Valença quis responder positivamente que não; mas, forçado a dar minuciosamente as razões da negativa, e não querendo tocar no assunto, tomou a resolução de não responder senão depois de concluído o casamento, a fim de lhe tirar o pretexto de novo pedido da mesma natureza.
Tomás estranhou o silêncio do pai. Não escreveu outra carta pela razão de que a insistência fá-lo-ia desconfiar. Demais, o silêncio de Tibério Valença, que ao princípio lhe pareceu estranho, tinha uma explicação própria e natural. Essa explicação foi a verdadeira causa do silêncio. Tomás compreendeu e calou-se.
Mas, passados os dois meses, nas vésperas do casamento de Elisa, apareceu Tomás no Rio de Janeiro. Saíra da Bahia inopinadamente, sem que o correspondente de Tibério Valença pudesse obstar.
Chegando ao Rio de Janeiro foi o seu primeiro cuidado ir à casa de Malvina. Naturalmente não lhe podiam negar a entrada, visto não haver ordem neste sentido por saber-se que ele estava na Bahia.
Tomás, que dificilmente se pudera conter nas saudades que sentiu por Malvina, chegara ao estado de lhe ser impossível continuar ausente. Procurou iludir a vigilância do correspondente de seu pai, e na primeira ocasião pôs em execução o projeto concebido. Durante a viagem, à proporção que se aproximava do porto desejado, expandia-se o coração do rapaz e nasciam-lhe ânsias cada vez maiores de pôr o pé em terra. Como já disse, a primeira casa a que Tomás se dirigiu foi a de Malvina. O fâmulo disse que esta se achava em casa, e Tomás entrou. Quando a pianista soube que Tomás estava na sala soltou um grito de alegria, manifestação espontânea do coração, e correu ao encontro dele.
O encontro foi como devia ser o de dois corações que se amam e que tornam a ver-se depois de longa ausência. Pouco disseram, na santa efusão das almas, que falavam em silêncio e se comunicavam por esses meios simpáticos e secretos do amor. Depois, vieram as indagações sobre as saudades de cada um. Era aquela a primeira vez que tinham ocasião de dizerem francamente o que sentiam um pelo outro. A pergunta natural de Malvina foi esta:
— Abrandou-se a crueldade de seu pai?
— Não, respondeu Tomás.
— Como, não?
— Não. Vim sem ele saber.
— Ah!
— Não podia mais estar naquele desterro. Era necessidade para o coração e para a vida...
— Oh! fez mal...
— Fiz o que devia.
— Mas, seu pai...
— Meu pai ralhará comigo; mas paciência; acho-me disposto a afrontar tudo. Depois de consumado o fato, meu pai é sempre pai, e nos perdoará...
— Oh! nunca!
— Como, nunca? Recusa ser minha mulher?
— Essa seria a minha felicidade; mas quisera sê-lo com honra.
- Que mais honra?
— Um casamento clandestino não nos ficaria bem. Se ambos fôssemos pobres ou ricos, sim; mas a desigualdade das nossas fortunas...
— Oh! não faças essa consideração.
— É essencial.
— Não, não digas isso... Há de ser minha mulher ante Deus e ante os homens. Que valem as fortunas neste caso? Uma coisa nos iguala: é a nobreza moral, é o amor que nos liga. Não entremos nessas miseráveis considerações do cálculo e do egoísmo. Sim?
— Isto é o fogo da paixão... Dirás sempre o mesmo?
— Oh! sempre!
Tomás ajoelhou aos pés de Malvina. Tomou-lhe as mãos entre as dele e beijou-as com beijos de ternura...
Teresa entrou na sala, justamente na ocasião em que Tomás se levantava. Uns minutos antes que fosse encontraria aquele quadro de amor.
Malvina apresentou Tomás a sua mãe. Parece que Teresa já alguma coisa sabia dos amores da filha. Na conversa com Tomás deixou escapar palavras equívocas que deram lugar a que o filho de Tibério Valença expusesse à velha os seus projetos e os seus amores.
As objeções da velha foram idênticas às da filha. Também ela via na situação esquerda do rapaz em relação ao pai uma razão de impossibilidade para o casamento. Desta primeira entrevista saiu Tomás, alegre por ver Malvina, triste pela singular oposição de Malvina e de Teresa.
* * *
(continua...)
ASSIS, Machado de. A pianista. Jornal das Famílias, Rio de Janeiro, n. 9-10, set.-out. 1866. (Publicado em folhetins, assinado por J.J.).