Letras+ | Letródromo | Letropédia | LiRA | PALCO | UnDF



Compartilhar Reportar
#Crônicas#Literatura Brasileira

Crônica do Viver Baiano Seiscentista

Por Gregório de Matos (1650)

Cantem: mas teu palácio por sagrado Cante Apolo de raios coroado Na musa humilde de álamos cingida.

Gusano a tua folha me alimente, Tua sombra me ampare peregrino, Passarinho o teu ramo me sustente.

Tecerei tua historia em ouro fino,

De meus versos serás templo freqüente, Onde glórias te cante de continuo.


O DEÃO ANDRÉ GOMES CAVEIRA SE INTRODUZIU DE TAL MODO COM ESTE PRELADO EM DESABONO DO POETA, QUE ESTIMULADO O DITO FEZ O SEGUINTE MOTE


O mundo vai-se acabando, cada qual olhe por si,

porque dizem, que anda aqui uma Caveira falando.

Chegou o nosso Prelado tão galhardo, e tão luzido, tão douro, e esclarecido,

tão nobre, e tão ilustrado, e não houve Prebendado, que para o ir enganando

se lhe não fosse chegando; mas só Caveira asnaval é, quem co Prelado val:

O mundo vai-se acabando.

Como não há de acabar-se, se uma Caveira tão feia ao Prelado galanteia

a risco de enamorar-se!

onde se viu galantear-se o roxete carmesi

pela caveira de Heli?

não é mentira, é verdade; pois para seguridade

cada qual olhe por si.

Olhe por si cada qual,

e não se dêem por seguros,

sabendo, que anda extramuros esta Caveira infernal:

ela anda pelo arrebal, e dacolá para aqui,

eu por mil partes a vi: o leigo, o frade, e o monge não a imaginem de longe,

Porque dizem, que anda aqui.

Aqui anda, e aqui está rosnando sempre entre nós,

Deão com cara de algoz, e pertensões de Bispá: ele é, o que os pontos dá, e os vícios vai acusando

com zelo torpe, e nefando,

com que nos bota a perder:

porque quem não há de crer Uma Caveira falando.


COMO ACREDITOU ESTE PRELADO MAIS OS MEXERICOS DE CAVEIRA, DO

QUE AS LISONJA DO POETA, LHE FEZ ESTA SÁTIRA


Eu, que me não sei calar, mas antes tenho por míngua,

não purgar-se qualquer língua a risco de arrebentar: vos quero, amigo, contar,

pois sois o meu secretário,

um sucesso extraordinário, um caso tremendo, e atroz; porém fique aqui entre nós.

Do Confessor Jesuíta, que ao ladrão do confessado não só absolve o pecado,

mas os furtos lhe alcovita:

do Percursor da visita,

que na vanguarda marchando vai pedindo, e vai tirando, o demo há de ser algoz:

porém fique aqui entre nós.

O ladronaço em rigor não tem para que o dizer

furtos, que antes de os fazer, já os sabe o confessor: cala-os para ouvir melhor, pois com ofício alternado confessor, e confessado ali se barbeiam sós: porém fique aqui entre nós.

Aqui o Ladrão consente sem castigo, e com escusa, pois do mesmo se lhe acusa o confessor delinqüente: ambos alternadamente

um a outro, e outro a um o pecado, que é comum confessa em comua voz: porém fique aqui entre nós.

Um a outro a mor cautela vem a ser neste acidente confessor, e penitente,

porque fique ela por ela: o demo em tanta mazela diz: faço, porque façais,

absolvo, porque absolvais, pacto inopinado pôs;

porém fique aqui entre nós.

Não se dá a este Ladrão penitência em caso algum, e somente em um jejum se tira a consolação: ele estará como um cão de levar a bofetada: mas na cara ladrilhada

emenda o pejo não pôs:

porém fique aqui entre nós.

Mecânica disciplina vem a impor por derradeiro o confessor marceneiro ao pecador carapina:

e como qualquer se inclina a furtar, e mais furtar,

se conjura a escavacar

as bolsas um par de enxós: porém fique aqui entre nós.

O tal confessor me abisma, que releve, e não se ofenda,

que um Frade Sagrado venda o sagrado óleo da crisma: por dinheiro a gente crisma, não por cera, havendo queixa, que nem a da orelha deixa,

onde crismando a mão pôs: porém fique aqui entre nós.

Que em toda a Franciscania não achasse um mau Ladrão,

quem lhe ouvisse a confissão, mais que um padre da panhia!

nisto, amigo, há simpatia,

e é, porque lhe veio a pêlo,

que um atando vá no orelo, e outro enfiando no cós:

porém fique aqui entre nós.

Que tanta culpa mortal se absolva! eu perco o tino, pois absolve um Teatino

pecados de pedra, e cal:

quem em vida monacal

quer dar à Filha um debate

condenando em dote, ou date vem a dar-lhe o pão, e a noz; porém fique aqui entre nós.

As Freiras com santas sedes saem condenadas em pedra, quando o ladronaço medra

roubando pedra, e paredes:

vós, amigo, que isto vedes,

deveis a Deus graças dar por vos fazer secular,

e não zote de albernoz:

porém fique aqui entre nós.


LOUVA O POETA O SERMÃO, QUE PREGOU CERTO MESTRE NA FESTA, QUE A JUSTIÇA FAZ, AO ESPIRITO SANTO NO CONVENTO DO CARMO NO ANO 1686.


Alto sermão, egrégio, e soberano

Em forma tão civil, tão erudita,

Que sendo o pregador um carmelita, Julguei eu, que pregava um Ulpiano.

Não desfez Alexandre o nó Gordiano,

Co'a espada o rompeu (traça esquisita)

Soltais na forma legal, e requisita

Soltais o nó do magistrado arcano.

Ó Príncipes, Pontífices, Monarcas,

Se o Mestre excede a Bártolos, e Abades Vesti-lhe a toga, despojai-lhe alparcas.

Rompam-se logo as leis das Majestades,

Ouçam Ministros sempre os Patriarcas,

Pois mais podem, que leis, autoridades.


CELEBRA O POETA (ESTANDO HOMIZIADO NO CARMO), A BURLA, QUE

(continua...)

1234567891011121314
Baixar texto completo (.txt)

← Voltar← AnteriorPróximo →