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#Crônicas#Literatura Brasileira

Crônica do Viver Baiano Seiscentista

Por Gregório de Matos (1650)

Louco devo eu de ser, pois não doidejo.


AO MESMO ILUSTRÍSSIMO SENHOR CHEGANDO DE VISITA A VILA DE S. FRANCISCO, ONDE Ò ESPERAVAM MUITOS CLÉRIGOS PARA TOMAREM ORDENS.


Bem-vindo seja, Senhor, Vossa Ilustríssima

A este sítio famoso do Seráfico,

Onde nesta canção de verso alcaico

Ouça a ovelha balar sua amantíssima

Aqui verá correr água claríssima

Do grande Sergipe rio antártico,

Onde para tomar o eclesiástico Caráter Santo há gente prestantíssima.

Aqui de Pedro a rede celebérrima Cuido, que fez os lanços hiperbólicos, Que na Bíblia se lêem Santa integérrima.

Porque estes Pescadores tão católicos Nunca uma pesca fazem tão pulquérrima,

Que os buchos nos não deixem melancólicos.


A MAGNIFICÊNCIA COM QUE OS MORADORES DAQUELA VlLA RECEBERAM O DITO SENHOR COM VÁRIOS ARTIFÍCIOS DE FOGO POR MAR, E TERRA CONCORRENDO PARA A DESPESA O VIGÁRIO.


Apareceram tão belas no mar canoas, e truzes,

que se o céu é mar de luzes,

o mar era um céu de estrelas: era uma armada sem velas movida de outro elemento,

era um prodígio, um portento ver com tanto desafogo esta navegar com fogo,

se outras arribam com vento.

Sua Ilustríssima estava assustado sobre absorto, porque via um rio morto o fogo, em que se abrasava: grande cuidado Ihe dava ver, que o mar morria então infamado na opinião,

e como um judeu queimado, sendo, que o mar é sagrado,

que inda é mais que ser cristão.

Lá no vale ardia o ar, e por ser, comua a guerra, no mar há fogo de terra, na terra há fogo do mar: toda a esfera a retumbar fazia correspondência,

e com alegre aparência

luzia na ardente empresa fogo do ar por alteza,

e do mar por excelência.

Em cima as rodas paravam, que varia a fortuna toda desandava a sua roda,

e as do fogo não paravam: os mestres se envergonhavam, que era Lourenço, e Diogo:

e eu vi, que a Lourenço logo a face se quebrantava,

com que a mim mais me queimava o seu rosto, que o seu fogo.

Deu-se fogo em conclusão a uma roda de encomenda, foi como a minha fazenda,

que ardeu num abrir de mão: estava em meio do chão

um rasto, para que ardesse uma câmara, e parece, que uma faísca caiu,

disparou: quem jamais viu,

que o fogo em câmeras desse.

Era grande a multidão do Clero, e dos Seculares,

que a graça destes folgares consiste na confusão:

Sua llustríssima então se foi, que o fogo não zomba, aqui queima, ali arromba: segue-lhe o vigário os trilhos,

que as rodas não tinham filhos mas pariam muita bomba.

A gente ficou pasmada, porque viu a gente toda,

que era a resposta da roda de bombarda respostada:

ficou a turba enganada,

porque enfim nos perturbar-nos:

mas todos nos alegramos,

que isto somos, e isso fomos, que então alegres nos pomos

quando mais nos enganamos.

Entre o desar, e entre o risco a noite alegre passou: que mais noite! se a gabou té o Padre São Francisco:

nas mais paróquias foi cisco, foi sombra, foi ar, foi nada

do nosso Prelado a entrada, e a desconfiança é vã

de o Cura ter bolsa chã, se a vontade é tão sobrada.


OBRIGADOS OS ORDENANDOS A CANTAR O CANTO CHÃO DESAFINARAM PERTURBADOS A VISTA DO PRELADO, E OS OBRIGOU, A QUE ESTUDASSEM OS SETE SIGNOS. CELEBRA O POETA ESTE CASO, E LOUVA A PREDICA, QUE FEZ SUA ILUSTRÍSSIMA.


Senhor; os Padres daqui por b quadro, e por b mol cantam bem ré mi fá sol, cantam mal lá sol fá mi:

a razão, que eu nisto ouvi, e tenho para vos dar,

é, que como no ordenar fazem tanto por luzir,

cantam bem para subir,

cantam mal para baixar.

Porém como cantariam os pobres perante vós?

tão bem cantariam sós,

quão mal, onde vos ouviam:

quando o fabordão erguiam cad'um parece, que berra,

e se um dissona, o outro erra, mui justo me pareceu,

que sempre à vista do Céu fique abatido, o que é terra.

Os Padres cantaram mal como está já pressuposto,

e inda assim vos deram gosto, que eu vi no riso o sinal.

foi-se logo cada qual

direito às suas pousadas a estudar nas tabuadas

da música os sete signos,

não por cantar a Deus hinos, mas por vos dar badaladas.

Vós com voz tão doce, e grata enleastes meus sentidos,

que ficaram meus ouvidos, engastados nessa prata:

tanto o povo se desata

ouvindo os vossos espíritos!

que com laudatórios gritos

dou eu fé, que uma Donzela disse, qual outra Marcela, o cântico Beneditos.


A MORTE VIOLENTA QUE LUIZ FERREIRA DE NORONHA CAPITÃO DA GUARDA DO GOVERNADOR ANTÔNIO LUIZ DEU À JOSÉ DE MELLO SOBRINHO DESTE PRELADO.


Brilha em seu auge a mais luzida estrela,

Em sua pompa existe a flor mais pura,

Se esta do prado frágil formosura, Brilhante ostentação do céu aquela.

Quando ousada uma nuvem a atropela,

Se a outra troca em lástima a candura,

Que há também para estrelas sombra escura, Se para flores há, quem as não zela.

Estrela e flor, José, em ti se encerra,

Porque ser flor, e estrela mereceu Teu garbo, a quem a Parca hoje desterra.

E para se admirar o indulto teu, Como flor te sepultas cá na terra,

Como estrela ressurges lá no céu.




(continua...)

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