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#Crônicas#Literatura Brasileira

Bons Dias

Por Machado de Assis (1888)

A segunda razão da saúde que eu desejava ter agora, prende com a primeira. Já o leitor adivinhou o que é. Não se pode conversar nada, assim mais encobertamente, que ele não perceba logo e não descubra. É isso mesmo; é a política do Ceará. Era outro plano meu; entrava pelo Senado, e ia ter com o senador cearense Castro Carreira. e dizia-lhe mais ou menos isto:

— Saberá V. Ex.a que eu não entendo patavina dos partidos do Ceará.

— Com efeito...

— Eles são dous, mas quatro; ou, mais acertadamente, são quatro mas dous.

— Dous em quatro.

— Quatro em dous.

— Dous quatro.

— Quatro, dous.

— Quatro.

— Dous.

— Dous.

— Quatro.

— Justamente.

— Não é?

— Claríssimo.

Dadas estas explicações, pediria que ao Sr. Dr. Castro Carreira que me desse algumas notícias mais individuais dos grupos Aquirás e Ibiapaba . S. Ex.a, com fastio.

— Notícias individuais? Homem eu não sei política individualista; eu só vejo os princípios.

— Bem, os princípios. Sabe que o grupo Aquirás, com um troço liberal, tomaram conta da mesa: mas o grupo Ibiapaba acudiu com outro troço liberal, e puseram água na fervura. Quais são os princípios?

— Os primeiros de todos devem ser os da boa educação, sem os quais não há boa política. Dai-me boa educação, e eu vos darei boa política, diria o Barão Louis. São os primeiros de todos os princípios.

— Os segundos...

— Os segundos são os comuns—ou que o devem ser a todos os partidários, quaisquer que sejam as denominações particulares, refiro-me ao bem da província. É o terreno em que todos se podem conciliar.

— De acordo; mas o que é que os separa?

— Os princípios.

— Que princípios?

— Não há outros; os princípios.

— Mas Aquirás é um título, não é um princípio; Ibiapaba também é um título.

— Há entre o céu e a terra mais acumulações do que sonha a vossa vã filosofia...

— Pode ser, mas isto ainda não me explica a razão desta mistura ou troca de grupos, parecendo melhor que se fundissem de uma vez com os antigos adversários. Não lhe parece?

— O que me parece, é que a princesa vem chegando.

Corríamos a janela; víramos que não, continuávamos o diálogo, a entrevia, à maneira americana, para trazer os meus leitores informados das cousas e pessoas. O meu interlocutor, vendo que não era a promessa, olhava para mim, esperando. Pouco ou nenhum interesse no olhar; mas é ditado velho, que quem vê cara não vê corações. Certo fastio crescente. Princípio de desconfiança de que eu sou mandado pelo diabo. Gesto vago de cruzes...— Há os Rodrigues, os Paulas, os Aquirases, os Ibiapas; há os...

— Agora creio que é a princesa. Estas trombetas. . . É ela mesma adeus, sou da deputação... Apareça aqui pelo Senado... No Senado, não há dúvidas...

Mas eu pegava-lhe na mão, e não vinha embora sem alguns esclarecimentos. Tudo perdido, por causa de uma. Coriza dos diabos, agora ou nunca, chegaríamos a entender aqueles grupos; e perde-se esta ocasião única, por tua causa, infame catarro, monco pérfido!... Tuah! Vou meter-me na cama.

Boas noites.

[71]

[11 maio]

BONS DIAS!

Vejam os leitores a diferença que há entre um homem de olho aberto, profundo, sagaz, próprio para remexer o mais íntimo das consciências (eu em suma), e o resto da população.

Toda a gente contempla a procissão na rua, as bandas e bandeiras, o alvoroço , o tumulto, e aplaude ou censura, segundo é abolicionista ou outra cousa, mas ninguém dá a razão desta cousa ou daquela cousa; ninguém arrancou aos fatos uma significação, e, depois, uma opinião. Creio que fiz um verso.

Eu, pela minha parte não tinha parecer. Não era por indiferença: é que me custava a achar uma opinião. Alguém me disse que isto vinha de que certas pessoas tinham duas e três, e que naturalmente esta injusta acumulação trazia a miséria de muitos pelo que, era preciso fazer uma grande revolução econômica, etc. Compreendi que era um socialista que me falava, e mandei-o à fava. Foi outro verso , mas vi-me livre de um amolador. Quantas vezes me não acontece o contrário!

Não foi o ato das alforrias em massa dos últimos dias essas alforrias incondicionais, que vêm cair como estrelas no meio da discussão da lei da abolição. Não foi; porque esses atos são de pura vontade, sem a menor explicação. Lá que eu gosto liberdade, é certo; mas o princípio da propriedade não é menos legítimo. Qual deles escolheria? Vivia assim como uma peteca (salvo seja), entre as duas opiniões, até que a sagacidade e profundeza de espírito com que Deus quis compensar a minha humildade, me indicou a opinião racional e os seus fundamentos.

Não é novidade para ninguém que os escravos fugidos em Campos, eram alugados. Em Ouro Preto fez-se a mesma cousa, mas por um modo mais particular. Estavam ali muitos escravos fugidos. Escravos, isto é, indivíduos que, pela legislação em vigor eram obrigados a servir a uma pessoa; e fugidos, isto é, que se haviam subtraído ao poder do senhor, contra as disposições legais. Esses escravos fugidos não tinham ocupação; lá veio, porém, um dia em que acharam salário, e parece que bom salário.

(continua...)

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