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#Peças de teatro#Literatura Brasileira

Antes da Missa

Por Machado de Assis (1878)

A Carmesina. Foi leviana; andou mal.

Lá porque ela não come ou só come o ideal...

D. LAURA

O ideal são talvez os olhos do Antonico?

D. BEATRIZ

Má língua!

D. LAURA

(erguendo-se)

Adeus!

D. BEATRIZ

Já vais?

D. LAURA

Vou já.

D. BEATRIZ

Fica!

D. LAURA

Não fico.

Nem um minuto mais. São dez e meia.

D. BEATRIZ

Vens

Almoçar?

D. LAURA

Almocei.

D. BEATRIZ

Vira-te um pouco; tens

Um vestido chibante

D. LAURA

Assim, assim. Lá ia

Deixando o livro. Adeus! Agora até um dia.

Até logo, valeu? Vai lá hoje; hás de achar

Alguma gente. Vai o Mateus Aguiar.

Sabes que perdeu tudo? O pelintra do sogro

Meteu-o no negócio e pespegou-lhe um logro.

D. BEATRIZ

Perdeu tudo?

Não tudo; há umas casas, seis,

Que ele pôs, por cautela. a coberto das leis.

D. BEATRIZ

Em nome da mulher, naturalmente?

D. LAURA

Boas!

Em nome de um compadre; e inda há certas pessoas

Que dizem, mas não sei, que esse logro fatal

Foi tramado entre o sogro e o genro; é natural

Além do mais, o genro é de matar com tédio.

D. BEATRIZ

Não devias abrir-lhe a porta.

D. LAURA

Que remédio!

Eu gosto da mulher; não tem mau coração;

Um pouco tola... Enfim é nossa obrigação

Aturarmo-nos uns aos outros.

D. BEATRIZ

O Mesquita

Brigou com a mulher?

D. LAURA

Dizem que se desquita.

D. BEATRIZ

Sim?

D. LAURA

Parece que sim.

D. BEATRIZ

Por que razão?

D. LAURA

(vendo o relógio)

Jesus! Um quarto para as onze! Adeus! Vou para a Cruz.

(Vai a sair e Pára)

Cuido que ela queria ir à Europa; ele disse

Que antes de um ano mais, ou dois, era tolice.

Teimaram, e parece (ouviu-o ao Nicolau)

Que o Mesquita passou da língua para o pau.

E lhe fez um discurso hiperbólico e cheio

De imagens. A verdade é que ela tem no seio

Um sinal roxo; enfim vão desquitar-se.

D. BEATRIZ

Vão

Desquitar-se!

D. LAURA

Parece até que a petição

Foi levada a juízo. Há de ser despachada

Amanhã; disse-o hoje a Luisinha Almada

Que eu, por mim, nada sei. Ah! feliz, tu, feliz,

Como os anjos do céu! Tu sim, minha Beatriz

Brigas por um por um vestido azul; mas chega o urso

Do teu tio, desfaz o mal com um discurso,

E restaura o amor com dois goles de chá!

D. BEATRIZ

(rindo)

Tu nem isso!

D. LAURA

Eu cá sei.

D. BEATRIZ

Teu marido?

D. LAURA

Não há

Melhor na terra; mas...

D. BEATRIZ

Mas...

D. LAURA

Os nossos maridos!

São, em geral; não sei... uns tais aborrecidos.

O teu, que tal?

D. BEATRIZ

É bom.

D. LAURA

Ama-te?

D. BEATRIZ

Ama-me.

D. LAURA Tem

Carinhos por ti?

D. BEATRIZ

Decerto.

D. LAURA

O meu também

Acarinha-me; é terno;

Inda estamos na lua

De mel. O teu costuma andar tarde na rua?

D. BEATRIZ

Não.

D. LAURA

Não costuma ir ao teatro?

D. BEATRIZ

Não vai.

D. LAURA

Não sai para ir jogar o voltarete?

D. BEATRIZ

Sai

Raras vezes.

D. LAURA

Tal qual o meu. Felizes ambas!

Duas cordas que vão unidas às caçambas.

Pois olha, eu suspeito, eu tremia de crer

Que houvesse entre vocês qualquer coisa... Há de haver

Lá um arrufo, um dito, alguma coisa e... Nada?

Nada mais? É assim que a vida de casada

Bem se pode dizer que é a vida do céu.

Olha, arranja-me aqui as fitas do chapéu.

Então? Espero-te hoje? Está dito?

D. BEATRIZ

Está dito.

D. LAURA

De caminho verás um vestido bonito:

Veio-me de Paris; chegou Pelo Poitou.

Vai cedo. Pode ser que haja música. Tu

Hás de cantar comigo, ouviste?

D. BEATRIZ

Ouvi.

D. LAURA

Vai cedo.

Tenho medo que vá a Claudina Azevedo,

E terei de aturar-lhe os mil achaques seus.

Quase onze, Beatriz! Vou ver a Deus. Adeus!

(continua...)

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