Por Machado de Assis (1888)
Cuidava eu que era o mais precavido dos meus contemporâneos. A razão é que saio sempre de casa com o Credo na boca, e disposição feita de não contrariar as opiniões dos outros. Quem talvez me vencia nisto era o Visconde de Abaeté, de quem se conta que, nos últimos anos, quando alguém lhe dizia que o achava abatido:
—Estou, tenho passado mal, respondia ele.
Mas se, vinte passos adiante, encontrava outra pessoa que se alegrava com vê-lo tão rijo e robusto, concordava também:
— Oh! agora passo perfeitamente.
Não se opunha às opiniões dos outros; e ganhava com isto duas vantagens. A primeira era satisfazer a todos, a segunda era não perder tempo.
Pois, senhores, nem o ilustre brasileiro, nem este criado do leitor, éramos os mais precavidos dos homens. Há dias, a gente que saia de uma conferência republicana, foi atacada por alguns indivíduos: naturalmente houve tumulto, pancadas, pedradas, ferimentos. recorrendo os atacados aos apitos, para chamar a polícia, que acudiu prestes. Pouco antes, dois soldados brigaram com o cocheiro ou condutor de um bond, atracaram-se com ele, os passageiros intervieram, e, não conseguindo nada, recorreram aos apitos. e a polícia acudiu.
Estes apitos retinem-me ainda agora no cérebro. Por Ulisses! pelo artificioso e prudente Ulisses — Nunca imaginei que toda a gente andasse aparelhada desse instrumento, na verdade útil. Os casos acima apontados são diferentes, as circunstâncias diferentes, e diferentes os sentimentos das pessoas; não há uma só analogia entre os dois tumultos, exceto esta: que cada cidadão trazia um apito no bolso .É o que eu não sabia. Afigura-se-me ver um pacato dono da casa, prestes a sair, gritar para a mulher:
— Florência. esqueci-me da carteira, dá cá, está em cima da secretária, ou então: —Florência, vê se há charutos na caixa, e atira-me alguns, ou ainda:
—Dá-me um lenço, Florência!
Mas nunca imaginei esta frase:
—Florência, depressa, dá cá o apito!
Não há negá-lo, o apito é de uso geral e comum uso louvável, porque a polícia não há de adivinhar os tumultos, e este modo de a chamar é excelente, em vez das pernas, que podem levar o dono não ao corpo da guarda, mas a um escuro e modesto corredor. Vou comprar um apito.
Creiam que é por medo dele, que não
Escrevo aqui duas linh
(continua...)
ASSIS, Machado de. Balas de estalo. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 1888–1889.