Por Machado de Assis (1874)
A promessa cumpriu-se pontualmente. Luís Alves apresentou Estêvão à baronesa, na seguinte noite, como seu companheiro e amigo, como advogado capaz de zelar os interesses da ilustre cliente. A recepção foi geralmente boa, salvo por parte de Guiomar, que pareceu aborrecida de o ver naquela casa. Quando Estêvão a saudou, como quem a conhecia de longo tempo, ela mal pôde retribuir-lhe o cumprimento; em todo o resto da noite não lhe deu palavra. Daquela parte o acolhimento não podia ser pior; mas Estêvão sentia-se feliz, desde que podia vê-la, respirar o mesmo ar, nada mais pedindo por ora, e deixando o resto à fortuna. De todas as pessoas da casa da baronesa, a primeira que reparou na indiferença com que Guiomar tratara Estêvão, foi Mrs. Oswald. A sagaz inglesa afivelou a máscara mais impassível que trouxera das ilhas britânicas e não os perdeu de vista. Nem da primeira nem da segunda vez viu nada mais que os olhos dele, que solicitavam os dela, e os dela que pareciam surdos. Havia decerto uma paixão, solitária e desatendida.
— Sabe que descobri um namorado seu? perguntou ela alguns dias depois a Guiomar.
Guiomar fez um gesto de estranheza.
— Entendamo-nos, observou a inglesa; não digo que a senhora o namore também; digo que é ele quem anda apaixonado. Não adivinha?
—Talvez.
— O Dr. Estêvão.
Guiomar fez um gesto de desdém.
— Vejo que tinha adivinhado, disse Mrs. Oswald; também não era difícil. Quem tem alguma prática destas coisas fareja uma paixão a cem léguas de distância, por mais que ela busque recatar-se dos olhos estranhos.
Os namorados geralmente supõem que ninguém os vê; é uma lástima. Olhe, da senhora posso eu jurar que não está namorada de pessoa nenhuma.
— Que sabe disso? perguntou Guiomar deitando os olhos para o espelho de seu guarda-vestidos. Pois estou, mas de mim mesma.
Mrs. Oswald desatou a rir, de um riso grave e pausado. Ela sabia que a moça tinha orgulho de suas graças; era bom caminho afagar-lhe o sentimento. Disse-lhe muita coisa bonita, que não vem para aqui, e concluiu pondo-lhe as mãos nos ombros, encarando-a fito a fito, e enfim rompendo nestas palavras, meias suspiradas:
— A senhora é a flor desta sua terra. Quem a colherá? Alguém sei eu que a merece...
Guiomar ficou séria, e desviou brandamente as mãos da inglesa, murmurando:
— Mrs. Oswald, falemos de outra coisa.
CAPÍTULO VII
UM RIVAL
Não era a primeira vez que Mrs. Oswald aludia a alguma coisa que desagradava a Guiomar, nem a primeira que esta lhe respondia com a sequidão que o leitor viu no fim do capitulo anterior. A boa inglesa ficou séria e calada alguns dois ou três minutos, a olhar para Guiomar, aparent
(continua...)
ASSIS, Machado de. A mão e a luva. Rio de Janeiro: B. L. Garnier, 1874.