Por Gregório de Matos (1650)
Furão das tripas, sanguessuga humana, cuja condição grave, meiga, e pia,
sendo cristel dos Santos algum dia,
hoje urinol dos presos vive ufana.
Fero algoz já descortês profana
Sua imagem do nicho da enxovia,
Que esse amargoso traje em profecia Com a lombriga racional se dana.
Ah, Joanico fatal, em que horóscopos,
Ou porque à costa, ou porque à vante deste, Da camandola Irmão quebraste os copos.
Enfim Papagaio humano te perdeste,
Ou porque enfim darias nos cachopos, Ou porque em culis mundi te meteste.
A FR. PASCAL QUE SENDO ABADE DE N. S. DAS BROTAS HOSPEDOU ALI COM GRANDEZA A D. ANGELA, E SEUS PAIS, QUE FORAM DE ROMARIA À AQUELE SANTUÁRIO.
Prelado de tan alta perfecion,
Que supo em un aplauso, en un festin Congregar en su casa um serafin Cercado de tan alta relacion:
Ya mas tenga en su cargo dissension, Ni en sus Fraylecitos vea motin:
Ninguno Hijuelo suyo sea ruin, Y los crie en su santa bendicion.
Llena estè la cosina de sarten,
Y siempre el refectorio abunde en pan, Que bien merece Frayle tan de bien.
A quien el sacro bago se le dan
Regir la casa santa de Belém, Y que ya sela quite al soliman.
A FR. TOMAS D'APRESENTAÇÃO PREGANDO EM TERMOS LACONICOS A PRIMEYRA DOMINGA DA QUARESMA.
Padre Tomás, se Vossa Reverência
Nos pregar as Paixões desta arte mesma, Viremos a entender, que na Quaresma Não há mais pregador do que vossência.
Pregar com tão lacônica eloqüência
Em um só quarto, o que escrevo em resma,
À fé, que o não fazia Frei Ledesma, Que pregava uma resma de abstinência.
Quando pregar o vi, vi um São Francisco,
Senão mais eficaz, menos chagado, E de o ter por um Anjo estive em risco.
Mas como no pregar é tão azado,
Achei, que no evangélico obelisco É Cristo no burel ressuscitado.
UM AMIGO DESTE RELIGIOSO PEDIU AO POETA SUAS APROVAÇÕES SOBRE A MESMA PREDICA, A PEDITÓRIO DO MESMO PREGADOR NESTE.
MOTE
Louvar vossas orações é próprio do Pregador,
e a mim me dá mais temor
o Pregador, que os sermões.
Só o vosso entendimento vos pode Tomás louvar, e eu se pudera imitar
qualquer vosso pensamento: para mostrar seu talento
fez um círculo em borrões
Apeles com dous carvões; quem vira uma risca vossa? Riscai vós, para que eu possa Louvar vossas orações.
A causa é melhor, que o efeito na boa filosofia,
e assim é vossa energia
menor, que o vosso sujeito: logo se no humano peito não há alcançar o primor nas obras de tal autor,
mal a causa alcançarão, pois o pregar do sermão É próprio do Pregador.
Se louvo vossa alta idéia, sou culpado em me atrever, e sou culpado em meter, a fouce em seara alheia:
nesta empresa, em que receia entrar o engenho major,
entra o néscio sem pavor, porque a louca valentia
dá ao néscio a ousadia,
E a mim me dá mais temor.
Ou cobarde, ou atrevido, ou ousado, ou não ousado hei de dizer empenhado, o que calava entendido: um amigo a vós rendido pede a vossas orações as minhas aprovações,
e eu calando lhe obedeço,
porque fique em maior preço
O Pregador, que os sermões.
O MESMO AMIGO PEDIU AO POETA EM OUTRA OCASIÃO LHE GLOSASSE ESTE MOTE, CUJA MATÉRIA FOI HAVER TRIUNFADO O DITO FR. TOMAS DE CERTA OPOSIÇÃO CAPITULAR.
MOTE
Nuvens, que em oposição o sol querem desluzir,
seus raios sabem sentir
por ser seu cuidado em vão.
No Céu pardo de Francisco pardo à força de nublados há vapores humilhados,
e soberbos com seu risco:
o soberbo ao sol arisco
se põe, e o humilhado não,
e o sol menos queima então
as nuvens, que chegar vê em acatamentos, que
Nuvens, que em oposição.
As nuvens, que se lhe opõem com tão néscio atrevimento, o sol de um raio violento
queima, abrasa, e descompõe:
tudo o mais o sol dispõe
pare o manter, e cobrir criar, e reproduzir,
e com razão não tem fé
co’as nuvens ingratas, que O sol querem desluzir.
O sol por sua altivez, e nativo luzimento
não recebe abatimento
e abatê-lo é louca empresa: quando se atreve a vileza do vapor, que o vai seguir
na nuvem, que o quer cobrir,
se a subir não tem desmaios, ao resistir dos seus raios Seus raios sabem sentir.
Sentem com tanto pesar, que têm por melhor partido não haver ao sol subido que subir para baixar: era força escarmentar na queda de Faetão, e na Icária perdição,
que estes outros se arruinaram, quando ao sol subir cuidaram, Por ser seu cuidado em vão.
AO SOBREDITO RELIGIOSO DESDENHANDO CRITICO DE HAVER GONÇALO RAVASCO, E ALBUQUERQUE NA PRESENÇA DE SUA FREIRA VOMITADO HUMAS NÁUSEAS, QUE LOGO COBRIU COM O CHAPÉU.
Quem vos mete, Fr. Tomás, em julgar as mãos de amor, falando de um amador
que pode dar-vos seis e ás?
Sendo vós disso incapaz, quem vos mete, Fr. Franquia,
julgar, se foi policia
o vômito, que arrotastes,
se quando vós o julgastes, vomitastes uma asnia:
Sabeis, por que vomitou aquele amante em jejum?
lembrou-lhe o vosso budum,
e a lembrança o enjoou; e porque considerou,
que o tal budum vomitado era um fedor refinado,
por não ver poluto um céu, o cobriu com seu chapéu,
e em cobri-lo o fez honrado.
(continua...)
BRASIL. Crônica do Viver Baiano Seiscentista. Portal Domínio Público. Disponível em: https://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=16657. Acesso em: 30 nov. 2025.