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#Crônicas#Literatura Brasileira

Balas de Estalo

Por Machado de Assis (1883)

Quanto aos lucros, dizem-me que são de vinte e cinco a vinte e oito por cento, Sir John Sterling fez no ano de 1881, com o chim comum, vinte mil libras; em 1882, tendo introduzido em março os primeiros chimpanzés, apurou quinze mil libras; e nos primeiros seis meses deste ano vai em onze mil e quinhentas. A perfeição do trabalho é, ou a mesma, ou maior. A celeridade é dobrada, e a limpeza é tão superior, que Sir John não viu nada melhor na Inglaterra.

No ofício ao Secretário das Colônias, mando alguns dados estatísticos, desenvolvidos, que não reproduzo para não alongar este.

A princípio houve relutância em admitir o chimpanzé pelo fato de andar muita vez a quatro pés; mas Sir John Sterling, que é naturalista e antropologista emérito, fez observar aos parentes e amigos, que a atitude do chimpanzé é uma questão de costumes. Na Europa e outras partes, há muitos bípedes por simples hábito, educação, uso de família, imitação e outras causas, que não implicam com as faculdades intelectuais. Mas tal é a força do preconceito que, assim como no caso daqueles bípedes se conclui da posição das pernas para a qualidade da pessoa, assim também se faz com o chimpanzé; sendo ambos o mesmíssimo caso: — uma questão de aparência e preconceito. Felizmente, a propaganda vai fazendo desaparecer esse erro funesto, e o chimpanzé começa a ser julgado de um modo eqüitativo, científico e prático.

Rogo a V. Ex. se digne submeter estes fatos ao conhecimento do Sr. Gladstone.

Sou, etc.

WEBSTER.

Esta carta é realmente importante, e espero sejam devidamente apreciadas e não fiquem perdidas as lições que contém. O nosso defeito é não dar atenção a coisas sérias! Esta é das mais sérias.

As pessoas que preferem os chins, não podem deixar de aceitar este substituto. Segundo a carta transcrita, o chimpanzé tendo as mesmas aptidões do outro chim, é muito mais econômico. Por outro lado, os adversários, os que receiam o abastardamento da raça, não terão esse argumento, porque o chimpanzé não se cruzará com as raças do país.

[25]

[7 novembro]

NASCER RICO é uma grande vantagem que nem todos sabem apreciar. Qual não será a de nascer rei? Essa é ainda mais preciosa, não só por ser mais rara, como porque não se pode lá chegar por esforço próprio, salvo alguns desses lances tão extraordinários, que a história toda se desloca. Sobe-se de carteiro a milionário ; não se sobe de milionário a príncipe.

Entretanto, dado o caso de vocação (porque a natureza diverte-se às vezes em andar ao invés da sociedade), como há de um homem que sente ímpetos régios, combinar o sentimento pessoal com a paz pública? Aí está o caso em que nem o mais fino Escobar era capaz de resolver; aí está o que resolveram alguns cidadãos de Guaratinguetá.

Reuniram-se e organizaram uma irmandade de Nossa Senhora do Rosário, que é irmandade só no nome; na realidade, é um reino; e tudo indica que é o reino dos céus. Os referidos cidadãos acharam o meio de cingir a coroa sem vir buscá-la a S. Cristovão: elegem anualmente um rei, e a coroa passa de uma testa a outra, pacificamente, alegremente, como no jogo do papelão. Aqui vai o papelão. O que traz o papelão?

No presente ano (1883 — 1884), o Rei da irmandade é o Sr. Martins de Abreu, nome pouco sonoro, mas não é de sonoridade que vivem as boas instituições. A Rainha é a Sra. D. Clara Maria de Jesus. Há um Juiz do Ramalhete, que é o Sr. Francisco Ferreira, e uma juíza do mesmo Ramalhete que é a Sra. D. Zelina Rosa do Amor Divino. Não há a menor explicação do que seja este ramalhete. É realmente um ramalhete ou é nome simbólico do principado ministerial?

Segue-se o Capitão do Mastro. Este cargo coube ao Sr. Antônio Gonçalvez Bruno, e não tem funções definidas. Capitão do Mastro faz cismar. Que mastro, e por que capitão? Compreendo o Juiz da Vara, compreendo mesmo o Alferes da Bandeira. Este é provavelmente o que leva a bandeira, e, para supor que o capitão tem a seu cargo carregar um mastro, é preciso demonstrar primeiramente a necessidade do mastro. Já não digo a mesma coisa do Tenente da Coroa, cargo desempenhado pelo Sr. João Marcelino Gonçalves. Pode-se notar somente a singularidade de ser a coroa levada por um tenente; mas, dadas as proporções limitadas do novo reino, não há que recusar. Há também um sacristão, que é alferes, o Sr. alferes Bueno, e. .. Não, isto pede um parágrafo especial.

Há também um (digo?) há também um Meirinho. O Sr. Neves da Cruz é o encarregado dessas funções citatórias e compulsivas, e provavelmente não é cargo honorífico, se o fosse, teria outro nome. Não; ele cita, ele penhora, ele captura os irmãos do Rosário. Assim, pois, esta irmandade tem um tesoureiro para recolher o dinheiro, um procurador para ir cobrá-lo e um meirinho para compelir os remissos. Un capo d'opera.

(continua...)

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