Por Machado de Assis (1872)
A viagem, daquele dia em diante, foi menos suportável para Camilo de que até ali. Além de uma leve melancolia que se apoderara do companheiro, ia-se-lhe tornando enfadonho aquele andar léguas e léguas que pareciam não acabar mais. Afinal voltou Soares à sua habitual verbosidade, mas já então nada podia vencer o tédio mortal que se apoderara do mísero Camilo.
Quando porém avistou a cidade, perto da qual estava a fazenda, onde vivera as primeiras auroras da sua mocidade, Camilo sentiu abalar-se-lhe fortemente o coração. Um sentimento sério o dominava. Por algum tempo, ao menos, Paris com seus esplendores cedia o lugar à pequena e honesta pátria dos Seabras.
CAPÍTULO III
O ENCONTRO
Foi um verdadeiro dia de festa aquele em que o comendador cingiu ao peito o filho que oito anos antes mandara a terras estranhas. Não pode reter as lágrimas o bom velho, - não pode, que elas vinham de um coração ainda viçoso de afetos e exuberante de ternura. Não menos intensa e sincera foi a alegria de Camilo.
Beijou repetidamente as mãos e a fronte do pai, abraçou os parentes, os amigos de outro tempo, e durante alguns dias, - não muitos, - parecia completamente curado dos seus desejos de regressar à Europa.
Na cidade e seus arredores não se falava em outra coisa. O assunto, não principal mas exclusivo das palestras e comentários era o filho do comendador. Ninguém se fartava de o elogiar. Admiravam-lhe as maneiras e a elegância. A mesma superioridade com que ele falava a todos, achava entusiastas sinceros. Durante muitos dias foi totalmente impossível que o rapaz pensasse em outra coisa que não fosse contar as suas viagens aos amáveis conterrâneos. Mas pagavam-lhe a maçada, porque a menor coisa que ele dissesse tinha aos olhos dos outros uma graça indefinível. O padre Maciel, que o batizara vinte e seis anos antes, e que o via já homem completo era o primeiro pregoeiro da sua transformação.
– Pode gabar-se, Sr. comendador, dizia ele ao pai de Camilo, pode gabar-se de que o céu lhe deu um rapaz de truz! Santa Luzia vai ter um médico de primeira ordem, se me não engana o afeto que tenho a esse que era ainda ontem um pirralho. E não só médico, mas até bom filósofo; é verdade, parece-me bom filósofo. Sondei-o ontem nesse particular, e não lhe achei ponto fraco ou duvidoso.
O tio Jorge andava a perguntar a todos o que pensavam do sobrinho Camilo. O tenente coronel Veiga agradecia à providência à chegada do Dr. Camilo nas proximidades do Espírito Santo.
– Sem ele, o meu baile seria incompleto.
O Dr. Matos não foi o último que visitou o filho do comendador. Era um velho alto e bem feito, ainda que um tanto quebrado pelos anos.
– Venha, doutor, disse o velho Seabra apenas o viu assomar à porta; venha ver o meu homem.
– Homem, com efeito, respondeu Matos contemplando o rapaz. Está mais homem do que eu supunha. Também já lá vão oito anos! Venha de lá esse abraço!
O moço abriu os braços ao velho. Depois, como era costume fazer a quantos o iam ver, contou-lhe alguma coisa das suas viagens e estudos. É perfeitamente inútil dizer que o nosso herói omitiu sempre tudo quanto pudesse abalar o bom conceito em que estava no ânimo de todos. A dar lhe crédito, vivera quase como um anacoreta; e ninguém ousava pensar ao contrário.
Tudo eram pois alegrias na boa cidade e seus arredores; e o jovem médico, lisonjeado com a inesperada recepção que teve, continuou a não pensar muito em Paris. Mas o tempo corre e as nossas sensações com ele se modificam. No fim de quinze dias tinha Camilo esgotado a novidade das suas impressões; a fazenda começou a mudar de aspecto; os campos ficaram monótonos, as árvores monótonas, os rios monótonos, a cidade monótona, ele próprio monótono. Invadiu-o então uma coisa a que podemos chamar – nostalgia do exílio.
– Não, dizia ele consigo, não posso ficar aqui mais três meses. Paris ou o cemitério, tal é o dilema que se me oferece. Daqui a três meses, estarei morto ou em caminho da Europa. O aborrecimento de Camilo não escapou aos olhos do pai, que quase vivia a olhar para ele. – Tem razão, pensava o comendador, Quem viveu por essas terras que dizem ser tão bonitas e animadas, não pode estar aqui muito alegre. É preciso dar-lhe alguma ocupação... a política, por exemplo.
– Política! exclamou Camilo, quando o pai lhe falou nesse assunto. De que me serve a política, meu pai?
– De muito. Serás primeiro deputado provincial; podes ir depois para a câmara no Rio de Janeiro. Um dia interpelas o ministério e se ele cair, podes subir ao governo. Nunca tiveste ambição de ser ministro?
– Nunca.
– É pena!
– Por que?
– Porque é bom ser ministro.
– Governar os homens, não é? disse Camilo rindo; é um sexo ingovernável; prefiro o outro. Seabra riu-se do repente, mas não perdeu a esperança de convencer o herdeiro. Havia já vinte dias que o médico estava em casa do pai, quando se lembrou da história que lhe
contara Soares e do sonho que ele tivera no pouso. A primeira vez que foi à cidade e esteve com o filho do negociante, perguntou-lhe:
– Diga-me como vai a sua Isabel, que ainda a não vi?
Soares olhou para ele com sobrolho carregado e levantou os ombros resmungando um seco: – Não sei.
Camilo não insistiu.
(continua...)
ASSIS, Machado de. A parasita azul. Jornal das Famílias, Rio de Janeiro, ano 12, n. 6-9, jun.-set. 1872. (Publicado em folhetins).