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#Contos#Literatura Brasileira

A Mágoa do Infeliz Cosme

Por Machado de Assis (1875)

Oliveira olhava para o alfinete, mas via mais do que ele, via a moça; não admira pois que respondesse maquinalmente:

- Oh! divino!

- É pena que tenha este defeito...

- Não vale nada, acudiu Oliveira.

A conversa prosseguiu ainda algum tempo a respeito do alfinete e das virtudes da finada Carlota. A noite veio interromper essas doces efusões do coração de ambos. Cosme anunciou que provavelmente saía no dia seguinte para recomeçar a lida, mas já sem o ânimo que tivera nos três anos anteriores.

- Todos nós, disse ele, ainda os que não somos poetas, precisamos de uma musa. Separaram-se pouco depois.

O infeliz Cosme não quis que o amigo fosse sem levar uma lembrança da pessoa a quem tanto estimara, e que o prezava deveras.

- Tome lá, disse o infeliz Cosme, tome esta flor de grinalda com que ela se casou; leve esta outra para sua irmã.

Oliveira quis beijar as mãos do amigo. Cosme recebeu-o nos braços. - Nenhuma lembrança dei ainda a ninguém, observou o viúvo depois de o apertar nos braços; nem sei se alguém receberá tanto, como estas que lhe acabo de dar. Eu sei distinguir os grandes amigos dos amigos comuns.

VI

Oliveira saiu da casa de Cosme com a alegria de um homem que acabasse de tirar a sorte grande. De quando em quando tirava as duas flores secas, quase desfeitas, metidas numa caixinha, e olhava para elas e tinha ímpetos de as beijar.

- Oh! posso fazê-lo! exclamava ele consigo. Não me punge nenhum remorso. Saudades, sim, e muitas, mas respeitosas como foi o meu amor.

Depois:

- Infeliz Cosme! Como ele a ama! Que coração de ouro! Para aquele homem já não há gozos na terra. Ainda que não fosse seu amigo de longo tempo, a afeição que ele ainda hoje tem à sua pobre esposa era bastante para que o adorasse. Bem haja o céu que me poupou um remorso!

No meio destas e outras reflexões Oliveira chegou à casa. Então beijou à vontade as flores da grinalda de Carlota, e acaso verteu sobre elas uma lágrima; depois do quê, foi levar à irmã a flor que lhe pertencia.

Nessa noite teve sonhos de ouro.

No dia seguinte estava a almoçar quando recebeu uma carta de Cosme. Abriu-a com a sofreguidão própria de quem se achava ligado àquele homem por tantos laços. - Não vem só a carta, disse o escravo.

- Que há mais?

- Esta caixinha.

Oliveira leu a carta.

A carta dizia:

Meu bom e leal amigo,

Vi ontem o entusiasmo que lhe causou o alfinete que desejava dar à sua irmã e que eu tive a fortuna de comprar primeiro.

Tanta afeição lhe devo que não posso nem quero privá-lo do prazer de oferecer essa jóia à sua interessante irmã.

Apesar das circunstâncias em que ela se acha nas minhas mãos, refleti, e entendi que devo obedecer aos desejo de Carlota.

Cedo-lhe a jóia, não pelo custo, mas com dez por cento de diferença. Não vá imaginar que lhe faço um obséquio: o abatimento é justo.

Seu infeliz amigo

Cosme.

Oliveira leu a carta três ou quatro vezes. Há fundadas razões para crer que não almoçou nesse dia.

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