Letras+ | Letródromo | Letropédia | LiRA | PALCO | UnDF


Compartilhar Reportar
#Contos#Literatura Brasileira

A Mulher Pálida

Por Machado de Assis (1881)

Isto acabaria aqui mesmo, se Máximo não fosse, além de romântico, dotado de uma delicadeza e de um amor-próprio extraordinários. Essa era a outra feição principal dele, a que me dá esta novelita; porque se tal não fora... Mas eu não quero usurpar a ação do capítulo seguinte.

IV

— Quem é pobre não tem vícios. Esta frase ainda ressoava aos ouvidos de Máximo, quando já a pálida Eulália mostrava-se outra para com ele — outra cara, outras maneiras, e até outro coração. Agora, porém, era ele que desdenhava. Em vão a filha do sr. Alcântara, para resgatar o tempo perdido e as justas mágoas, requebrava os olhos até onde eles podiam ir sem desdouro nem incômodo, sorria, fazia o diabo; mas, como não fazia a única ação necessária, que era apagar literalmente o passado, não adiantava uma linha; a situação era a mesma.

Máximo deixou de freqüentar a casa algumas semanas depois da volta de Iguaçu, e Eulália voltou as esperanças para outro ponto menos nebuloso. Não nego que as noivas começaram a chover sobre o recente herdeiro, porque negaria a verdade conhecida por tal; não foi chuva, foi tempestade, foi um tufão de noivas, qual mais bela, qual mais prenda da, qual mais disposta a fazê-lo o mais feliz dos homens. Um antigo companheiro da Escola de Medicina apresentou-o a uma irmã, realmente galante, D. Felismina. O nome é que era feio; mas que é um nome? What is a name? como diz a flor dos Capuletos.

— D. Felismina tem um defeito, disse Máximo a uma prima dela, um defeito capital; D. Felismina não é pálida, muito pálida.

Esta palavra foi um convite às pálidas. Quem se sentia bastante pálida afiava os olhos contra o peito do ex-estudante, que em certo momento achou-se uma espécie de hospital de convalescentes. A que se seguiu logo foi uma D. Rosinha, criatura linda como os amores.

— Não podes negar que D. Rosinha é pálida, dizia-lhe um amigo.

— É verdade, mas não é ainda bem pálida, quero outra mais pálida. D. Amélia, com quem se encontrou um dia no Passeio Público, devia realizar o sonho ou o capricho de Máximo; era difícil ser mais pálida. Era filha de um médico, e uma das belezas do tempo. Máximo foi apresentado por um parente, e dentro de poucos dias freqüentava a casa. Amélia apaixonou-se logo por ele, não era difícil — já não digo por ser abastado —, mas por ser realmente belo. Quanto ao rapaz, ninguém podia saber se ele deveras gostava da moça, ninguém lhe ouvia coisa nenhuma. Falava com ela, louvava-lhe os olhos, as mãos, a boca, as maneiras, e chegou a dizer que a achava muito pálida, e nada mais.

— Ande lá, disse-lhe enfim um amigo, desta vez creio que encontraste a palidez mestra. — Ainda não, tornou Máximo; D. Amélia é pálida, mas eu procuro outra mulher mais pálida.

— Impossível.

— Não é impossível. Quem pode dizer que é impossível uma coisa ou outra? Não é impossível; ando atrás da mulher mais pálida do universo; estou moço, posso esperá-la. Um médico, das relações do ex-estudante, começou a desconfiar que ele tivesse algum transtorno, perturbação, qualquer coisa que não fosse a integridade mental; mas, comunicando essa suspeita a alguém, achou a maior resistência em crer-lha. — Qual doido! respondeu a pessoa. Essa história de mulheres pálidas é ainda o despeito que lhe ficou da primeira, e um pouco de fantasia de poeta. Deixe passar mais uns meses, e vê-lo-emos coradinho como uma pitanga.

Passaram-se quatro meses; apareceu uma Justina, viúva, que tratou de apoderar-se logo do coração do rapaz, o que lhe custaria tanto menos, quanto que era talvez a criatura mais pálida do universo. Não só pálida de si mesma, como pálida também pelo contraste das roupas de luto. Máximo não encobriu a forte impressão que a dama lhe deixou. Era uma senhora de vinte e um a vinte e dois anos, alta, fina, de um talhe elegante e esbelto, e umas feições de gravura. Pálida, mas sobretudo pálida.

Ao fim de quinze dias o Máximo freqüentava a casa com uma pontualidade de alma ferida, os parentes de Justina trataram de escolher as prendas nupciais, os amigos de Máximo anunciaram o casamento próximo, as outras candidatas retiraram-se. No melhor da festa, quando se imaginava que ele ia pedi-la, Máximo afastou-se da casa. Um amigo lançou-lhe em rosto tão singular procedimento.

— Qual? disse ele.

— Dar esperanças a uma senhora tão distinta...

— Não dei esperanças a ninguém.

— Mas enfim não podes negar que é bonita?

— Não.

— Que te ama?

— Não digo que não, mas...

— Creio que também gostas dela...

— Pode ser que sim.

— Pois então?

— Não é bem pálida; eu quero a mulher mais pálida do universo.

(continua...)

123456
Baixar texto completo (.txt)

← Voltar← AnteriorPróximo →