Por Machado de Assis (1883)
Ah! Se o Sr. Lafayette caísse em usar cá uma tal metáfora! Se Sganarello lhe deu tantas amarguras, que diríamos desta comparação da rainha com uma atriz, e do governo com um tablado? Não sei se já disse que o discurso foi do lord chief justice.
Já o fato de ir este homem jantar com um ator é extraordinário; mas o que dirá o leitor de um bilhete com que Gladstone, que atualmente governa a Inglaterra, pede desculpa a Irving de não poder comparecer, acrescentando que há dois anos para cá, só tem ido aos jantares de lord mayor, que são jantares de rigor? E a ênfase com que o bispo de York escreve, dizendo que os que se interessam pela moralidade pública, devem simpatizar com as honras feitas a Irving, que tão nobremente tem levantado a arte dramática na Inglaterra?
Não quero citar mais nada; bastam-se estas palavras do lindo brinde do lord chief justice ao artista festejado:
“Em conclusão: assim como a América nos mandou Booth, assim mandamos Irving à América, e assim como Irving e a Inglaterra receberam Booth de braços abertos, assim também, estou certo, aquele grande e generoso país receberá o nosso primeiro e admirável ator.”
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À vista destes deploráveis exemplos quer-me parecer que Sganarello e Molière não fariam tão má figura na Câmara dos Comuns...
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Não vamos agora dar um banquete ao Sr. Pedrosa só para imitar os ingleses.
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Um articulista anônimo, tratando há dias do uso da folga acadêmica nas quintas-feiras, escreveu que Moisés e Cristo só recomendaram um dia de descanso na semana, e acrescenta que nem Spencer nem Comte indicaram dois.
Nada direi de Spencer; mas pelo que respeita a Comte, nosso imortal mestre, declaro que a afirmação é falsa. Comte permite (excepcionalmente, é verdade) a observância de dois dias de repouso. Eis o que se lê no Catecismo do grande filósofo.
“O dia de descanso deve ser um e o mesmo para todas as classes de homens. Segundo o judaísmo, esse dia é o sábado; — e segundo o cristianismo, é o domingo. 0 positivismo pode admitir, em certos casos, a guarda do sábado e do domingo, ao mesmo tempo. Tal é, por exemplo, o daquelas instituições criadas para a contemplação dos filhos da Grã-Bretanha, como sejam, entre outras, os parlamentos de alguns países, etc. E a razão é esta. Sendo os ingleses, em geral, muito ocupados, pouco tempo lhes resta para ver as coisas alheias. Daí a necessidade de limitar os dias de trabalho parlamentar dos ditos países, a fim de que aqueles insulares possam gozar da vista recreativa das mencionadas instituições.” (Cat. Posit., p. 302).
Rio de Janeiro, 3 do Brigadeiro José Anastácio da Cunha Souto de 94 (14 de agosto de 1883) . [23]
[16 outubro]
No MOMENTO em que me sentava a escrever, recebi uma carta de um nosso hóspede ilustre. As-tu vu le mandarin ? * Pois foi ele mesmo, o mandarim, que me escreveu, pedindo a fineza de inserir nas "Balas de Estalo'' uma exposição modesta das impressões que até agora tem recebido do nosso país.
Não traduzi a carta, para lhe não tirar o valor. Além disso, há dela alguns juízos demasiado crus, que melhor é fiquem conhecidos tão-somente dos que sabem a língua chinesa. Em alguns lugares, o meu ilustre correspondente inseriu expressões nossas; ou por não achar equivalente na língua dele ou (como me parece) para mostrar que já está um pouco familiar com o idioma do país. Eis a carta:
Vu pan Lélio,
Lamakatu apá ling-ling "Balas de Estalo", mapapi tung? Keré siri mamma,ulama'i tik'á.
*Esta pergunta,reminiscente de um verso de Musset,se refere à passagem,pelo Rio,do famoso mandarim,que aqui veio tratar da vinda de colonos chineses.
Foi isto motivo para artigos e discursos de protesto, como para a revista O Mandarim, de Artur Azevedo e Moreira Sampaio, estreada em janeiro de 1884.
Ton-ton pacamaré Rua do Ouvidor nappi Botafogo, nappi Laranjeiras mappi Petrópolis gogô. China cava miraka Rua do Ouvidor! Naka ling! tica milung! Ita marica armarinho, gavamacu moça bonita, vala ravala balvão; caixeiro sika maripu derretido. Moçanigu vaia peça fita, agulha, veludo, colchete, iva curva trapalhada. Moço lingu istu passa na rua, che-beru pitigaia entra, namora, rini mamma.
Viliki xaxi xali xaliman. Acalag ting-ting valixu. Upa Costa Braga relá minag katu Integridade abaxung kapi a ver navios. Lamarika ana bapa bung? Gogô xupitô? Nepa in pavé. Brasil desfalques latecatu. Inglese poeta, Shakespeare, kará: make money, upa lamaré in língua Brasil: — mete dinheiro no bolso. Vaia, Vaia, gapaling capita passa a unha simá teka laparika. Eting põe-se a panos, etang merú xilindró.
ltá poxta, China kiva Li-vai-pé, abá naná Otaviano Hudson, naka panaka, neka paneca, mingu. Musa vira kassete.
— Mira lung Minas Gerais longu senado. Vetá miná Lima Duarte passi Cesário Alvim; mará kari Evaristo da Veiga seba Inácio Martins. Rebagú sara Coromandel? Teca laia Coromandel?
(continua...)
ASSIS, Machado de. Balas de estalo. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 1883–1886.