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#Crônicas#Literatura Brasileira

Bons Dias

Por Machado de Assis (1888)

E a duquesa, como toda gente sabe, estendeu-lhe os lábios, e ele depositou ali um beijinho, que já agora é melhor julgar que experimentar. Neste sentido, todos somos açougueiros. Tais votos são mais que públicos. Complete S. EX.a o seu projeto, estabelecendo que as candidaturas só poderão ser trabalhadas por mulheres, amigas do candidato, devendo começar pelas mais bonitas, e está abolido o voto secreto. O mais que pode acontecer, é a gente faltar a nove ou dez pessoas, se a vaga for só uma; mas creia S. EX a que não há beijo perdido.

Tinha outra cousa que dizer acerca do projeto ou antes, que perguntar a S. Ex.a, mas o tempo urge.

Há uma disposição, porém, que não posso deixar de agradecer desde já; é a abolição do 2.° escrutínio, saindo deputado com os votos que tiver; maioria relativa, em suma. Tem um distrito 1.900 eleitores inscritos; comparecem apenas 104; eu obtenho 20 votos' o meu adversário 19, e os restantes espalham-se por diferentes nomes. Entro na Câmara nos braços de vinte pessoas. Há famílias mais numerosas, mas muito menos úteis.

Boas noites

[83]

[27 dezembro]

BONS DIAS!

Cuidava eu que era o mais precavido dos meus contemporâneos. A razão é que saio sempre de casa com o Credo na boca, e disposição feita de não contrariar as opiniões dos outros. Quem talvez me vencia nisto era o Visconde de Abaeté, de quem se conta que, nos últimos anos, quando alguém lhe dizia que o achava abatido:

—Estou, tenho passado mal, respondia ele.

Mas se, vinte passos adiante, encontrava outra pessoa que se alegrava com vê-lo tão rijo e robusto, concordava também:

— Oh! agora passo perfeitamente.

Não se opunha às opiniões dos outros; e ganhava com isto duas vantagens. A primeira era satisfazer a todos, a segunda era não perder tempo.

Pois, senhores, nem o ilustre brasileiro, nem este criado do leitor, éramos os mais precavidos dos homens. Há dias, a gente que saia de uma conferência republicana, foi atacada por alguns indivíduos: naturalmente houve tumulto, pancadas, pedradas, ferimentos. recorrendo os atacados aos apitos, para chamar a polícia, que acudiu prestes. Pouco antes, dois soldados brigaram com o cocheiro ou condutor de um bond, atracaram-se com ele, os passageiros intervieram, e, não conseguindo nada, recorreram aos apitos. e a polícia acudiu.

Estes apitos retinem-me ainda agora no cérebro. Por Ulisses! pelo artificioso e prudente Ulisses — Nunca imaginei que toda a gente andasse aparelhada desse instrumento, na verdade útil. Os casos acima apontados são diferentes, as circunstâncias diferentes, e diferentes os sentimentos das pessoas; não há uma só analogia entre os dois tumultos, exceto esta: que cada cidadão trazia um apito no bolso .É o que eu não sabia. Afigura-se-me ver um pacato dono da casa, prestes a sair, gritar para a mulher:

— Florência. esqueci-me da carteira, dá cá, está em cima da secretária, ou então: —Florência, vê se há charutos na caixa, e atira-me alguns, ou ainda:

—Dá-me um lenço, Florência!

Mas nunca imaginei esta frase:

—Florência, depressa, dá cá o apito!

Não há negá-lo, o apito é de uso geral e comum uso louvável, porque a polícia não há de adivinhar os tumultos, e este modo de a chamar é excelente, em vez das pernas, que podem levar o dono não ao corpo da guarda, mas a um escuro e modesto corredor. Vou comprar um apito.

Creiam que é por medo dele, que não

Escrevo aqui duas linh

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