Por Ronaldo Martins
19/11/2025
O lançamento de O Losango Negro – Mário de Andrade, Intérprete do Brasil, de Angela Teodoro Grillo, apresenta documentos inéditos que evidenciam a atenção contínua do escritor modernista às questões raciais. O estudo destaca como Mário identificou e analisou o racismo estrutural no país ao longo de sua trajetória.
Pesquisas recentes realizadas no Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP deram origem ao livro O Losango Negro – Mário de Andrade, Intérprete do Brasil, de Angela Teodoro Grillo, que reúne manuscritos, esboços e versões antigas de textos do escritor modernista. Parte desse material, organizado em torno de um dossiê intitulado “Preto”, mostra que Mário de Andrade refletiu de forma sistemática, por mais de duas décadas, sobre a cultura negra e o racismo no Brasil.
A autora analisou documentos produzidos entre os anos 1920 e a década de 1940, observando que Mário não tratava o negro apenas como tema literário, mas como elemento fundamental da formação cultural brasileira. Seus escritos apontam para a existência de uma linha de cor no país e demonstram sua percepção precoce de formas de discriminação que hoje seriam reconhecidas como estruturais.
Entre os textos recuperados está o ensaio “Linha de Cor”, no qual Mário argumenta que a desigualdade racial brasileira não se limitava ao campo social, mas se estendia à esfera simbólica, moldando comportamentos e representações culturais. O diagnóstico crítico do autor, articulado a partir de observações folclóricas, etnográficas e literárias, desmonta a ideia de uma convivência harmoniosa entre grupos raciais — mito que se consolidaria mais tarde sob o rótulo de “democracia racial”.
O estudo também evidencia que Mário de Andrade abordou a questão racial a partir de sua própria experiência. Com ascendência negra, o escritor tematizou sua condição mestiça em textos como os poemas de Lira Paulistana. Grillo aponta que essa dimensão pessoal dialogava intensamente com sua produção intelectual, contribuindo para uma leitura mais ampla de sua obra.
Além de sua reflexão crítica, documentos do IEB mostram que Mário se envolveu em ações voltadas ao estudo da cultura negra, propondo pesquisas folclóricas e registros etnográficos que buscavam documentar práticas e expressões afro-brasileiras. Sua atuação combinava investigação acadêmica, sensibilidade artística e compromisso com a realidade social.
A publicação de O Losango Negro oferece, assim, uma reinterpretação contundente da trajetória de Mário de Andrade, iluminando sua atuação como pensador social e suas contribuições para o debate racial no Brasil. Ao reunir materiais inéditos e análises aprofundadas, o livro amplia a compreensão sobre o papel do escritor na crítica à estrutura racial brasileira e sobre seu lugar na história intelectual do país.
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