Por Ronaldo Martins
04/09/2025
Pesquisadores da Universidade Estadual da Flórida (FSU) identificaram que palavras comumente sugeridas pelo ChatGPT, como “surpass”, “meticulous” e “strategically”, começaram a aparecer com muito mais frequência em conversas espontâneas. Com base na análise de 22 milhões de palavras de podcasts informais, o estudo sugere que o uso do modelo de linguagem está, de fato, influenciando como falamos — indicando um possível efeito de contaminação linguística.
Um novo estudo da Florida State University (FSU) revelou evidências de que expressões frequentemente usadas pelo ChatGPT estão se infiltrando na fala cotidiana. Com base no trabalho intitulado "Model Misalignment and Language Change: Traces of AI‑Associated Language in Unscripted Spoken English", os pesquisadores demonstram que expressões marcantes dos modelos de linguagem agora aparecem no discurso espontâneo, ultrapassando o uso meramente visual das telas.
O estudo, o primeiro revisado por pares a explorar a influência de chatbots como o ChatGPT sobre a fala humana, foi aceito para apresentação na 8ª Conferência sobre IA, Ética e Sociedade e será publicado nos anais da conferência.
Segundo o professor Tom Juzek, líder da equipe e docente de linguística computacional, o foco da pesquisa é entender se as mudanças linguísticas ocorrem porque usamos a ferramenta e repetimos o que ela sugere, ou se a IA está influenciando o sistema linguístico humano. A equipe analisou tendências lexicais antes e depois do lançamento do ChatGPT (em 2022) e detectou convergências claras entre o vocabulário humano e os padrões preferenciais dos LLMs.
Embora picos rápidos de uso de certas palavras estejam geralmente atrelados a eventos reais, os aumentos registrados para termos como “delve” e “intricate” estão associados ao uso difundido de modelos de linguagem com função de chat — que tendem a sobreutilizar esses termos. As mudanças observadas são notáveis pela rapidez e amplitude; muitos desses termos, típicos de IA, duplicaram sua frequência no discurso cotidiano.
Outros termos que apresentaram aumento considerável incluem “surpass”, “boast”, “meticulous”, “strategically” e “garner”. Embora costumeiramente utilizados em contextos formais ou acadêmicos — menos prevalentes em fala espontânea —, cerca de 75% dessas palavras mostraram crescimento no uso.
A análise abrangeu 22,1 milhões de palavras extraídas de podcasts espontâneos sobre ciência e tecnologia. Os pesquisadores observaram um aumento no uso de termos típicos da IA, enquanto sinônimos não demonstraram o mesmo crescimento. Isso sugere que a influência não se dá por simples escolha lexical, mas pela incorporação de padrões linguísticos da IA — apontando para um possível "efeito infiltrativo".
Bryce Anderson, um dos autores principais, afirmou que a linguagem é o meio de comunicação mais poderoso da humanidade e que entender como a IA afeta esse meio é fundamental e oportuno.
O estudo expande pesquisas anteriores do grupo sobre o impacto da IA na escrita científica. Esses trabalhos anteriores já apontavam mudanças estruturais significativas em textos produzidos com apoio de IA. Agora, com foco na fala, a pesquisa será apresentada na conferência AIES em outubro.
Riley Galpin, outro membro da equipe, ressalta o aspecto ético da investigação: com a capacidade de os LLMs influenciarem a linguagem humana, surgem questões sobre como vieses e desalinhamentos do modelo podem afetar comportamentos humanos.
Tom Juzek acrescenta que, embora esteja comprovado o impacto da IA, ainda é cedo para atribuir causalidade. Os resultados são correlacionais e o próximo passo será realizar testes cuidadosos para entender o que realmente está mudando e por quê.
Esse estudo faz parte do FSU Undergraduate Research Opportunity Program, que possibilita que alunos de graduação desenvolvam pesquisas com professores — propondo uma reflexão sobre até que ponto uma ferramenta tecnológica pode ressignificar profundamente a comunicação humana.
