Por Pero de Magalhães Gândavo (1576)
Nestas partes do Brasil não semeiam trigo nem se dá outro mantimento algum deste Reino, o que lá se come em lugar de pão e farinha de pão: Esta se faz da raiz duma planta que se chama mandioca, a qual e como inhame. E tanto que se tira de baixo da terra, está cortando-se em água três, quatro dias, e depois de curtida pisam-na ou reliam-na muito bem e espremem-na daquele sumo de tal maneira que fique bem escorrida, porque e aquela água que sai dela tão peçonhenta, que qualquer pessoa ou animal que a beber logo naquele instante morre: assim que depois de a terem deste modas curada, põem um alguidar grande sobre o fogo e como se aquenta, botão aquela mandioca nele e por espaço de meia hora está naquela quentura cozendo-se, dali a tiram, e fica temperada para se comer. Há todavia farinha de duas maneiras: uma se chama de guerra, e outra fresca, a de guerra e muito seca, fazem-na desta maneira para durar muito e não se danar: a fresca e mais branda e tem mais sustância; finalmente que não é tão áspera como a outra, mas não dura mais que dous, três dias; como passa daqui logo se dana. Desta mesma mandioca fazem outra maneira de mantimentos, que se chamam beijús, são mui alvos e mais grossos que obreias, destes usam muito os moradores da terra porque são mais saborosos e de melhor digestão que a farinha. Outra raiz há duma planta que se chama aipim, da qual fazem uns bolos que parecem pão fresco deste Reino e também se come assada como batata, de toda maneira se acha nela muito gosto. Também há na terra muito milho Zaburro, este se dá em todas as Capitanias, e faz um pão muito alvo. Há nesta terra muita cópia de leite de vacas, muito arroz, fava, feijões, muitos inhames e batatas, e outros legumes que fartam muito a terra. Há muita abundância de marisco e de peixe por toda esta Costa; com estes mantimentos se sustentam os moradores do Brasil sem fazerem gastos nem diminuírem nada em suas fazendas.
CAPÍTULO V
DA CAÇA DA TERRA
Uma das cousas que sustenta e afasta muito os moradores desta terra do Brasil, é a muita caça que há nestes matos de muitos gêneros e de diversas maneiras, a qual os mesmos indios da terra matam assim com flechas como por industria de seus laços e fojos, onde costumam tomar a maior parte dela.Há muitos veados e muita soma de porcos monteses de muitas castas. Uns pequenos há na terra que têm as cerdas mui grossas, ásperas e crespas; estes têm o umbigo nas costas, matam-se muitos deles, e doutros grandes que não são desta qualidade. Há muitas antas que quase são tamanhas como vacas e pascem ervas como outro gado qualquer, sua carne tem o sabor como da vaca: a pele deste animal é muito grossa e rígida. Há também coelhos, mas têm as orelhas doutra maneira mais pequenas e redondas.Há outros animais maiores que lebres que se chamam pacas, também têm carne muito saborosa. Uns bichos há nesta terra que também se comem e se têm pela melhor caça que há no mato.Chamam-lhes tatus, são tamanhos como coelhos e têm um casco à maneira da lagosta como de cagado, mas e repartido em muitas juntas como lâminas; parecem totalmente um cavalo armado, têm um rabo do mesmo casco comprido, o focinho e como de leitão, e não botam mais fora do casco que a cabeça, têm as pernas baixas e criam-se em covas, a carne deles tem o sabor quase como de galinha. Esta caça e muito estimada na terra. Há também muitas galinhas de mato que os indios matam com flechas, e outras muitas aves mui gordas e saborosas melhores que perdizes. Desta e doutra muita caça há no Brasil muita abundância.
CAPÍTULO VI
DAS FRUITAS DA TERRA
(continua...)
GÂNDAVO, Pero de Magalhães. Tratado da Terra do Brasil.