Por Machado de Assis (1868)
Entretanto, Estêvão foi ao convite de Madalena. Preparou-se e perfumou-se como se fosse falar a uma noiva. Que sairia daquele encontro? Viria de lá livre ou cativo? Já seria amado? Estêvão não deixou de pensá-lo; aquele convite parecia-lhe uma prova irrecusável. O médico entrando num tílburi começou a formar vários castelos no ar.
Enfim chegou à casa.
Capítulo VI
Madalena estava na sala acompanhada de um filho.
Ninguém mais.
Eram nove horas e meia.
- Viria eu cedo demais? perguntou ele à dona da casa.
- O senhor nunca vem cedo.
Estêvão inclinou-se.
Madalena continuou:
- Se me acha só, é porque, tendo enfermado um pouco, mandei desavisar as poucas pessoas que eu havia convidado.
- Ah! mas eu não recebi...
- Naturalmente; eu não lhe mandei dizer nada. Era a primeira vez que o convidava; não queria por modo algum arredar de casa um homem tão distinto.
Estas palavras de Madalena não valiam cousa alguma, nem mesmo como desculpa, porque a desculpa é fraquíssima.
Estêvão compreendeu logo que havia algum motivo oculto.
Seria o amor?
Estêvão pensou que era, e doeu-se, porque, apesar de tudo, sonhara uma paixão mais reservada e menos precipitada. Não queria, embora lhe agradasse, ser objeto daquela preferência; e mais que tudo achava-se embaraçadíssimo diante de uma mulher a quem começava a amar, e que talvez o amasse. Que lhe diria? Era a primeira vez que o médico achava-se em tais apuros. Há toda a razão para supor que Estêvão naquele momento preferia estar cem léguas distante, e contudo, longe que estivesse pensaria nela.
Madalena era excessivamente bela, embora mostrasse no rosto sinais de longo sofrimento. Era alta, cheia, tinha um belíssimo colo, magníficos braços, olhos castanhos e grandes, boca feita para ninho de amores.
Naquele momento trajava um vestido preto.
A cor preta ia-lhe muito bem.
Estêvão contemplava aquela figura com amor e adoração; ouvia-a falar e sentia-se encantado e dominado por um sentimento que não podia explicar.
Era um misto de amor e de receio.
Madalena mostrou-se delicada e solícita. Falou no merecimento do rapaz e na sua nascente reputação, e instou com ele para que fosse algumas vezes visitá-la.
Às 10 horas e meia serviu-se o chá na sala. Estêvão conservou-se lá até às 11 horas.
Chegando à rua o médico estava completamente namorado. Madalena tinhao atado no seu carro, e o pobre rapaz nem vontade tinha de quebrar o jugo.
Caminhando para casa ia ele formando projetos: via-se casado com ela, amado e amante, causando inveja a todos, e mais que tudo feliz no seu interior.
Quando chegou à casa, lembrou-se de escrever uma carta que mandaria no dia seguinte a Meneses. Escreveu cinco e rasgou-as todas.
Afinal redigiu um simples bilhete nestes termos: Meu amigo.
Você tem razão; na minha idade crê-se; eu creio e amo. Nunca o pensei; mas é verdade.
Amo... Quer saber a quem? Hei de apresentá-lo em casa dela. Há de achá-la bonita. . . Se o é. . .!
A carta dizia muitas cousas mais; era tudo, porém, uma glosa do mesmo mote.
Estêvão voltou à casa de Madalena e as suas visitas começaram a ser regulares e assíduas.
A viúva usava para com ele de tanta solicitude que não era possível duvidar do sentimento que a dirigia. Pelo menos Estêvão assim o pensava. Achavase quase sempre só, e deliciava-se em ouvi-la. A intimidade começou a estabelecer-se.
Logo na segunda visita, Estêvão falou-lhe em Meneses pedindo licença para apresentá-lo. A viúva disse que teria muito prazer em receber amigos de Estêvão; mas pedia-lhe que adiasse a apresentação. Todos os pedidos e todas as razões de Madalena eram dignas para o médico; não disse mais nada.
Como era natural, ao passo que as visitas à viúva eram mais assíduas, as visitas ao amigo eram mais raras.
Meneses não se queixou; compreendeu, e disse-o ao rapaz.
- Não se desculpe, acrescentou o deputado; é natural; a amizade deve ceder o passo ao amor. O que eu quero é que seja feliz.
Um dia Estêvão pediu ao amigo que lhe contasse o motivo que o tinha feito descrer do amor, e se algum grande infortúnio lhe havia acontecido.
- Nada me aconteceu, disse Meneses.
Mas ao mesmo tempo, compreendendo que o médico merecia-lhe toda a confiança, e podia não acreditá-lo absolutamente, disse:
- Por que negá-lo? Sim, aconteceu-me um grande infortúnio; amei também, mas não encontrei no amor as doçuras e a dignidade do sentimento; enfim, é um drama íntimo de que não quero falar: limite-se a pateá-lo.
Capítulo VII
- Quando quiser que eu lhe apresente o meu amigo Meneses... dizia Estêvão uma noite à viúva Madalena.
- Ah! é verdade; um dia destes. Vejo que o senhor é amigo dele.
- Somos amigos íntimos.
- Verdadeiros?
- Verdadeiros.
Madalena sorriu; e como estava brincando com os cabelos do filho deu-lhe um beijo na testa.
A criança riu alegremente e abraçou a mãe.
(continua...)