Por Pero de Magalhães Gândavo (1576)
As pessoas que no Brasil querem viver, tanto que se fazem moradores da terra, por pobres que sejam, se cada um alcançar dous pares ou meia dúzia de escravos (que pode um por outro custar pouco mais ou menos até dez cruzados) logo tem remédio pela sua sustentação; porque uns lhe pescam e cação, outros le fazem mantimentos e fazenda e assim pouco a pouco enriquecem os homens e vivem honradamente na terra com mais descanso que neste Reino, porque os mesmos escravos indios da terra buscam de comer pela si e pela os senhores, e desta maneira não fazem os homens despesa com seus escravos em mantimentos nem com suas pessoas.A maior parte das camas do Brasil são redes, as quase armam numa casa com duas cordas e lançam-se nelas a dormir. Este costume tomaram os indios da terra.Os moradores destas Capitanias tratam-se muito bem e são mais largos que a gente deste Reino, assim no comer como no vestir de suas pessoas, e folgam de ajudar uns aos outros com seus escravos e favorecem muito os pobres que começam a viver na terra. Isto se costuma nestas partes: e fazem outras muitas obras pias por onde todos têm remédio de vida e nenhum pobre anda pelas portas a pedir como neste Reino.
CAPÍTULO III
DAS QUALIDADES DA TERRA
Ha nestas partes do Brasil seis meses de verão e seis de inverno: os de verão são de Setembro até Fevereiro, os de inverno de Março até Agosto. Assim que quando nesta província do Brasil e inverno cá neste Reinos e verão, e os dias quase sempre são tamanhos como as noites uma hora somente crescem e minguam. Cursam sempre ventos gerais, no inverno seis meses Sul e Sudeste, no verão Nordeste. Sempre correm as águas com o vento por costa, e por isso se não pode navegar de uma Capitanias pela outras se não espelharem por monções pela irem com a águas e com o vento, porque cursam como digo seis meses duma parte e seis doutra, e portanto são muitas vezes as viagens vagarosas, e quando vão contra tempo as embarcações correm muito risco, arribam as mais das vezes ao porto donde sairão. Mete-se no meio e na força deste verão, oito dias ante os Santos, uma tormenta de vento Sul que dura uma semana, este é mui certo e geral, nunca se acha que naqueles dias faltasse. Muitas embarcações esperam por este vento e fazem com ele sua viagens. Esta terra sempre e quente quase tanto no inverno como no verão.A viração do vento geral entra ao meio dia pouco mais ou menos, e tão fresco este vento e tão frio que não se sente mais calma, e ficam recreados os corpos das pessoas.Dura este vento do mar até de madrugada, torna dali a calmar outra vez por causa dos vapores da terra que o apagam e quando amanhece está o Céu todo coberto de nuvens e as mais das manhãs chove nesta partes e a terra fica toda coberta de névoa, porque tem muitos arvoredo e chama a si todos estes rumores. E tanto que este geral acalma começa ventar da terra um vento brando que nela se gera, até que o Sol con sua quentura o torna apagar e limpa tudo outra vez e faz ficar o dia claro e sereno, entra logo o vento do mar acostumado. Este vento da terra e mui perigoso e doentio; e se acerta de permanecer alguns dias morre muita gente assim portugueses como indios da terra: mas quer Nosso Senhor que aconteça isto poucas vezes; e tirado este mal, e esta terra mui salutífera e de bons ares, onde as pessoas se acham bem dispostas e vivem muitos anos, principalmente os velhos têm melhor disposição e parecem que tornam a renovar, e por isso alguns se não querem tornar as suas pátrias, temendo que nelas lhes ofereça a morte mais cedo. Os ares de pela manhã são mui frescos e sadios; muitas pessoas se costumam alevantar cedo porque se aproveitem deles em quanto tem esta virtude. A terra em si e lassa e deleixada; acham-se nela os homens algum tanto fracos e minguados das forças que possuem cá neste Reino por respeito da quentura e dos mantimentos que nela usam, isto e em quanto as pessoas são novas na terra, mas depois que por tempo se acostumam ficam tão rijos e bem dispostos como se aquela terra fora sua mesma patria. Manda-se dar nesta terra aos enfermos carne de porco, para qualquer doença e proveitosa, e não faz mal a nenhuma pessoa; o peixe também tem a mesma qualidade e põe muita sustância aos doentes. Esta terra e mui fértil e viçosa, toda coberta de altíssimos e frondosos arvoredos, permanece sempre a verdura nela inverno e verão; isto causa chover-lhe muitas vezes e não haver frio que ofenda ao que produz a terra. Há por baixo destes arvoredos grande mato e mui vasto e de tal maneira está escuro e serrado em partes que nunca participa o chão da quentura nem da claridade do Sol, e assim está sempre úmido e manando água de si. As águas que na terra se bebem são mui sadias e saborosas, por muita que se beba não prejudica a saúde da pessoa, a mais dela se torna logo a suar e fica o corpo desaliviado e são. Finalmente que esta terra tão deleitosa e temperada que nunca nela se sente frio nem quentura sobeja.
CAPÍTULO IV
DOS MANTIMENTOS DA TERRA
(continua...)
GÂNDAVO, Pero de Magalhães. Tratado da Terra do Brasil.