Por Machado de Assis (1878)
— Mas é que nunca pensei em semelhante coisa.
— Pois pensa agora. Em oito dias pensarás nela e talvez acabes por gostar... Acabas com certeza.
— Que maçada!
— Não acho.
— É porque não é contigo.
— Se fosse era a mesma coisa.
— Casavas?
— No fim de oito dias.
— Admiro-te. Custa-me a crer que um homem se case, assim como faz uma viagem a Vassouras.
— O casamento é uma viagem a Vassouras; não custa mais nem menos.
Marcos disse ainda outras coisas mais, no sentido de animar o irmão. Ele aprovava o casamento, não só porque Eugênia merecia, como porque era muito melhor que tudo ficasse em casa.
Não interrompeu Emílio as suas visitas cotidianas; mas os dias passavam-se e ele não se sentia mais disposto ao casamento. No sétimo dia, despediu-se da tia e da prima, com uma cara lúgubre.
— Qual! dizia Eugênia; ele não casa comigo.
No oitavo dia, D. Venância recebeu uma carta de Emílio, pedindo-lhe muitos perdões, fazendo-lhe carícias sem fim, mas acabando por uma negativa franca.
D. Venância ficou desconsolada; tinha feito nascer esperanças no coração da sobrinha, e não as podia realizar de nenhuma maneira. Chegou a ter um movimento de cólera contra o rapaz, mas arrependeu-se dele até morrer. Um sobrinho tão amável! que recusava com tão bons modos! Era pena que não aceitasse, mas se ele não amava, podia ela obrigá-lo ao casamento?
Suas reflexões foram essas, tanto à sobrinha, que aliás não chorou, posto ficasse um pouco triste, como ao sobrinho Marcos, que só tarde soubera da recusa do irmão.
— Aquilo é uma cabeça de vento! disse ele.
D. Venância defendeu-o, como confessou que se acostumara à idéia de deixar Eugênia casada e bem casada. Enfim não se pode forçar os corações. Isso mesmo repetiu ela quando Emílio a foi ver daí a dias, um tanto envergonhado da recusa. Emílio, que esperava achá-la no mais agudo de seus reumatismos, achou-a risonha como de costume.
Mas a recusa de Emílio não foi aceita tão filosoficamente pelo irmão. Marcos não achara a recusa, nem bonita nem prudente. Era um erro e uma tolice. Eugênia era uma noiva digna até de um sacrifício. Sim; tinha qualidades notáveis. Marcos atentou nelas. Viu que efetivamente a moça não valia o modo por que o irmão a tratara. A resignação com que aceitava a recusa era na verdade digna de respeito. Marcos simpatizou com esse proceder. Não menos lhe doeu a dor da tia, que não alcançava realizar o desejo de deixar Eugênia entregue a um bom marido.
— Que bom marido não podia ser ele?
Marcos seguiu esta idéia com alma, com afinco, com desejo de acertar. Sua solicitude dividiu-se entre Eugênia e D. Venância — o que era servir a D. Venância. Um dia entestou com o assunto...
— Titia, disse ele, oferecendo-lhe torradinhas, eu desejava pedir-lhe um conselho.
— Tu? Pois tu pedes conselhos, Marcos?...
— Às vezes, redargüiu ele sorrindo.
— Que é?
— Se a prima Eugênia me aceitasse por marido, a senhora aprovava o casamento?
D. Venância olhou para Eugênia espantada, Eugênia, não menos espantada do que ela, olhou para o primo. Este olhava para ambas.
— Aprovava? repetiu ele.
— Que dizes? disse a tia voltando-se para a moça.
— Farei o que titia quiser, respondeu Eugênia olhando para o chão.
— O que eu quiser, não, tornou D. Venância; mas confesso que aprovo, se for do teu gosto.
— É? perguntou Marcos.
— Não sei, murmurou a moça.
A tia cortou a dificuldade dizendo que ela podia responder daí a quatro, seis ou oito dias. — Quinze ou trinta, acudiu Marcos; um ou mais meses. Meu desejo é que fosse logo, mas não desejo surpreender seu coração; prefiro que escolha com tranqüilidade. É assim que nossa boa tia deseja também...
D. Venância aprovou as palavras de Marcos, e deu à sobrinha dois meses. Eugênia não disse sim nem não; mas no fim daquela semana declarou à tia que estava pronta a receber o primo por esposo.
— Já! exclamou a tia, referindo-se à curteza do prazo da resposta.
— Já! respondeu Eugênia, referindo-se à data do casamento.
E D. Venância, que o percebeu pelo tom, riu-se muito e deu a notícia ao sobrinho. O casamento efetuou-se dai a um mês. As testemunhas foram D. Venância, Emílio e um amigo da casa. O irmão do noivo parecia satisfeito com o resultado.
— Ao menos, dizia ele consigo, ficamos todos satisfeitos.
Marcos ficou morando em casa, de modo que nem retirava a companhia de Eugênia nem a sua. D. Venância tinha assim uma vantagem mais.
— Agora o que é preciso é casar o Emílio, dizia ela.
— Por quê? perguntava Emílio.
— Porque é preciso. Meteu-se-me isso na cabeça.
Emílio não ficou mais amigo da casa depois do casamento. Continuava a lá ir o menos que podia. Com os anos, D. Venância ia ficando de uma ternura mais difícil de suportar, pensava ele. Para compensar a ausência de Emílio, tinha ela o zelo e a companhia de Eugênia e Marcos. Este era ainda o seu mestre e guia.
(continua...)