Por Fernando Fidelix Nunes (2025)
André Cunha: No caso do Brasília, GRAVIDADE ZERO, a intenção foi criar esse vínculo, fazer da linguagem publicitária uma das camadas do texto, algo presente, cotidiano, normal, tipo a naturalização, na literatura, do capitalismo. Sei que é uma espécie de sacrilégio conspurcar o texto literário dessa forma, mas foi consciente, para causar esse efeito de “não há pra onde fugir, o capitalismo sempre vai te pegar.” Na história, o protagonista sonha em se dar bem e virar um empresário ou executivo de sucesso, e esse sonho, essa ambição, esse, para usar um termo bem acadêmico, pathos, está presente o tempo todo, a vontade de vencer na vida, de empreender, de prosperar, de se dar bem, de fazer uma grande jogada, um negócio da China, de ficar rico. Desnecessário mencionar que ele se dá mal, pois a história é uma tragédia. Então tem essa reflexão sobre a gente ser impelido a querer uma coisa, em geral dinheiro, sem ser consultado, tipo aquele bebê em busca da nota de um dólar na capa do disco do Nirvana. Na sinopse do livro já é explicado que o protagonista foi “praticamente alfabetizado através de breves imperativos categóricos como Compre Batom ou Não esqueça minha Caloi (...)” Ou seja, o consumismo está tipo no DNA cognitivo do cara. No caso do Quem falou?, a narradora tem uma relação de amor e ódio com certas letras de canção, chega a fazer uma crítica demolidora de uma música do Cartola, e cita versos e canções do Chico Buarque, nem sempre de modo óbvio. Como é uma personagem inquisitiva e intensa, essa intensidade musical é um traço da personalidade dela. Tipo, ela fica analisando um verso por vários ângulos e se perguntando “que m.... esse cara está querendo dizer?” Então, tem a ver com o jeito e a personalidade dela. Quero acreditar que isso dá mais verossimilhança e densidade ao texto. Gosto da coisa das referências, dos easter eggs escondidos na narrativa, mas não se for gratuito, e sim pra dar mais camadas ao texto, tendo um sentido dentro do desenvolvimento do tema e da trama.
Fernando Fidelix Nunes: No ano de 2024, o seu livro Quem falou? foi semifinalista do Prêmio Jabuti na categoria romance literário. Qual foi a importância dessa indicação para a sua carreira como escritor?
André Cunha: Fiquei feliz e contente, trouxe um certo prestígio como escritor que eu ainda não tinha, mas em termos de vendas o efeito foi discreto.
Fernando Fidelix Nunes: A literatura do Distrito Federal ficou conhecida nas últimas décadas, principalmente por meio de obras poéticas, como as de Nicolas Behr, Meimei Bastos e Anderson Braga Horta. Essa ênfase na produção poética também ocorre em trabalhos da crítica literária do Distrito Federal. De que modo você acha que o gênero romance pode se tornar mais popular com o público e com a crítica literária no Distrito Federal?
André Cunha: Do mesmo modo que no resto do país, ou seja, tem que entrar na marra, à fórceps. As pessoas não têm hábito de ler, poucos têm tempo e disciplina de ler romance, então tem que ser teimoso, chato, lidar bem com o desinteresse e a indiferença, fazer o seu corre, a sua divulgação, buscar o seu leitor e o seu lugar ao sol, contra tudo e contra todos. Tem na cidade algumas iniciativas legais como clubes de leitura e discussão, acho isso bem-vindo e saudável, mas, do meu ponto de vista, a leitura é algo muito particular e íntimo. Pode até ser que alguém desenvolva esse hábito já na maturidade, mas, até onde posso perceber, a hora de você fisgar o leitor é na adolescência. Se a pessoa entrar na vida adulta sem o hábito da leitura, dificilmente vai desenvolver. A responsabilidade aqui é da escola e da família, mas principalmente da família. Se a criança só vê o pai e a mãe no celular, esse é o exemplo que ela vai seguir. E isso tem acontecido cada vez mais.