Padronização linguística: mudanças entre as edições

De Letropédia
Criou página com 'A '''padronização linguística''' é instrumento fundamental para a hiearquização das variedades linguísticas. [https://pt.wikipedia.org/wiki/Einar_Haugen Einar Haugen] identificou quatro processos na padronização linguística: # '''Seleção''': Escolha de uma variedade como base # '''Codificação''': Fixação de regras em gramáticas e dicionários # '''Implementação''': Difusão através de instituições (escola, mídia, Estado) # '''Elaboração''': D...'
 
Sem resumo de edição
Linha 1: Linha 1:
A '''[[padronização linguística]]''' é instrumento fundamental para a hiearquização das variedades linguísticas. [https://pt.wikipedia.org/wiki/Einar_Haugen Einar Haugen] identificou quatro processos na padronização linguística:
A padronização linguística é instrumento fundamental para a hiearquização das variedades linguísticas. [https://pt.wikipedia.org/wiki/Einar_Haugen Einar Haugen] identificou quatro processos na padronização linguística:
# '''Seleção''': Escolha de uma variedade como base
# '''Seleção''': Escolha de uma variedade como base
# '''Codificação''': Fixação de regras em gramáticas e dicionários
# '''Codificação''': Fixação de regras em gramáticas e dicionários
Linha 9: Linha 9:
*'''Ideologia do padrão''' (''standard ideology''): Conjunto de crenças que legitimam o padrão
*'''Ideologia do padrão''' (''standard ideology''): Conjunto de crenças que legitimam o padrão


= Vetores da padronização linguística =
A padronização acompanha processos de construção estatal e imperial. A história das políticas linguísticas mostra três vetores principais:
A padronização acompanha processos de construção estatal e imperial. A história das políticas linguísticas mostra três vetores principais:


Linha 14: Linha 15:
*'''Imperialismo e colonialismo linguísticos''': as potências coloniais impuseram suas línguas como instrumentos de dominação cultural. O inglês, francês, espanhol, português e holandês se espalharam não por superioridade intrínseca, mas através da força política e militar. O "linguistic imperialism" (imperialismo linguístico) de Robert Phillipson analisa como o inglês mantém sua dominação global através de estruturas de poder econômico e político.
*'''Imperialismo e colonialismo linguísticos''': as potências coloniais impuseram suas línguas como instrumentos de dominação cultural. O inglês, francês, espanhol, português e holandês se espalharam não por superioridade intrínseca, mas através da força política e militar. O "linguistic imperialism" (imperialismo linguístico) de Robert Phillipson analisa como o inglês mantém sua dominação global através de estruturas de poder econômico e político.
*'''Construção de identidades nacionais:''' Benedict Anderson, em "Comunidades Imaginadas", mostra como a padronização linguística foi fundamental para criar o sentimento de pertencimento nacional. A "invenção" de tradições linguísticas serviu para legitimar projetos políticos específicos.
*'''Construção de identidades nacionais:''' Benedict Anderson, em "Comunidades Imaginadas", mostra como a padronização linguística foi fundamental para criar o sentimento de pertencimento nacional. A "invenção" de tradições linguísticas serviu para legitimar projetos políticos específicos.
= Normatização, padronização e fatores políticos =
A discriminação linguística é normalmente '''legitimada''' pela existência de uma norma oficial, resultado de um processo de '''[[padronização linguística]]'''. A  criação de uma norma-padrão é um processo político, não um fenômeno natural da língua. A padronização é uma intervenção deliberada sobre a língua, geralmente associada à formação dos Estados-Nacionais. Unificar a língua era (e é) uma forma de unificar o território, a administração, a educação e a identidade nacional.
No Brasil, esse processo foi marcado por disputas e decisões políticas. A fundação da [[Academia Brasileira de Letras]] (ABL) em 1897 foi um marco na tentativa de estabelecer uma autoridade sobre a língua, espelhando-se na Academia Francesa. As reformas e acordos ortográficos, por sua vez, foram decisões políticas que visavam unificar a escrita entre Brasil e Portugal, muitas vezes com interesses econômicos e de mercado editorial subjacentes.
No entanto, esse processo de '''normatização''' envolve complicadores que tornam crucial distinguir três conceitos:
# '''Norma Padrão:''' É um modelo linguístico idealizado, codificado nas gramáticas normativas e nos dicionários. É uma construção política e social que serve como referência para a unificação da língua, especialmente na escrita formal e em contextos institucionais. Frequentemente, a norma-padrão se baseia em usos literários do passado e não reflete o uso real de nenhum grupo social.
# '''Norma Culta:''' Segundo o linguista Carlos Alberto Faraco, a norma culta é o conjunto de fenômenos linguísticos que ocorrem ''habitualmente'' no uso de falantes letrados em situações monitoradas de fala e escrita. A norma culta é uma norma de uso, viva e variável, e não se confunde com a norma-padrão. Por exemplo, na norma culta falada no Brasil, é comum iniciar frases com pronomes oblíquos ("Me dá um copo d'água") ou usar o pronome "ele(a)" como objeto direto ("Eu vi ela na rua"), usos condenados pela norma-padrão.
# '''"Norma Curta":''' Faraco cunhou este termo para se referir à visão empobrecida e autoritária da norma linguística que circula no senso comum e em parte da mídia. A "norma curta" é reducionista, inflexível e se apega a um pequeno conjunto de regras gramaticais (crase, colocação pronominal, concordância verbal) como se fossem a totalidade da língua, ignorando a complexidade da variação e da adequação linguística. É a "norma curta" que alimenta a maior parte do preconceito linguístico.
= Repressões históricas e políticas de assimilação =
*'''Espanha Franquista (1939-1975)''': O regime de Franco proibiu o uso público do catalão, galego, basco e aragonês. A repressão incluía multas, prisões e até execuções por uso de "línguas regionais". Professores eram obrigados a castigar fisicamente crianças que falassem suas línguas maternas.
*'''Brasil - Estado Novo (1937-1945)''': A campanha de nacionalização forçada proibiu o uso de alemão, italiano, japonês e outras línguas de imigrantes. Escolas foram fechadas, jornais censurados e cidadãos presos por "crime de falar língua estrangeira".
*'''Turquia Kemalista''': A construção da identidade turca moderna incluiu a sistemática repressão do curdo, do árabe e de outras línguas minoritárias. A política de "Uma língua, uma nação" resultou em décadas de perseguição linguística.
*'''Estados Unidos - Movimento "English Only"''': Desde os anos 1980, movimentos conservadores promovem leis declarando o inglês como "língua oficial", visando restringir o uso público do espanhol e outras línguas de imigrantes

Edição das 12h03min de 7 de setembro de 2025

A padronização linguística é instrumento fundamental para a hiearquização das variedades linguísticas. Einar Haugen identificou quatro processos na padronização linguística:

  1. Seleção: Escolha de uma variedade como base
  2. Codificação: Fixação de regras em gramáticas e dicionários
  3. Implementação: Difusão através de instituições (escola, mídia, Estado)
  4. Elaboração: Desenvolvimento de registros especializados

James Milroy distingue entre:

  • Padronização (standardization): Processo histórico de imposição
  • Ideologia do padrão (standard ideology): Conjunto de crenças que legitimam o padrão

Vetores da padronização linguística

A padronização acompanha processos de construção estatal e imperial. A história das políticas linguísticas mostra três vetores principais:

  • Formação dos Estados-Nação: a unificação linguística foi estratégia central na consolidação do poder estatal. A França jacobina eliminou sistematicamente as línguas regionais através da educação obrigatória. O lema "Une langue, une nation" (Uma língua, uma nação) justificou séculos de política linguística assimilacionista.
  • Imperialismo e colonialismo linguísticos: as potências coloniais impuseram suas línguas como instrumentos de dominação cultural. O inglês, francês, espanhol, português e holandês se espalharam não por superioridade intrínseca, mas através da força política e militar. O "linguistic imperialism" (imperialismo linguístico) de Robert Phillipson analisa como o inglês mantém sua dominação global através de estruturas de poder econômico e político.
  • Construção de identidades nacionais: Benedict Anderson, em "Comunidades Imaginadas", mostra como a padronização linguística foi fundamental para criar o sentimento de pertencimento nacional. A "invenção" de tradições linguísticas serviu para legitimar projetos políticos específicos.

Normatização, padronização e fatores políticos

A discriminação linguística é normalmente legitimada pela existência de uma norma oficial, resultado de um processo de padronização linguística. A criação de uma norma-padrão é um processo político, não um fenômeno natural da língua. A padronização é uma intervenção deliberada sobre a língua, geralmente associada à formação dos Estados-Nacionais. Unificar a língua era (e é) uma forma de unificar o território, a administração, a educação e a identidade nacional.

No Brasil, esse processo foi marcado por disputas e decisões políticas. A fundação da Academia Brasileira de Letras (ABL) em 1897 foi um marco na tentativa de estabelecer uma autoridade sobre a língua, espelhando-se na Academia Francesa. As reformas e acordos ortográficos, por sua vez, foram decisões políticas que visavam unificar a escrita entre Brasil e Portugal, muitas vezes com interesses econômicos e de mercado editorial subjacentes.

No entanto, esse processo de normatização envolve complicadores que tornam crucial distinguir três conceitos:

  1. Norma Padrão: É um modelo linguístico idealizado, codificado nas gramáticas normativas e nos dicionários. É uma construção política e social que serve como referência para a unificação da língua, especialmente na escrita formal e em contextos institucionais. Frequentemente, a norma-padrão se baseia em usos literários do passado e não reflete o uso real de nenhum grupo social.
  2. Norma Culta: Segundo o linguista Carlos Alberto Faraco, a norma culta é o conjunto de fenômenos linguísticos que ocorrem habitualmente no uso de falantes letrados em situações monitoradas de fala e escrita. A norma culta é uma norma de uso, viva e variável, e não se confunde com a norma-padrão. Por exemplo, na norma culta falada no Brasil, é comum iniciar frases com pronomes oblíquos ("Me dá um copo d'água") ou usar o pronome "ele(a)" como objeto direto ("Eu vi ela na rua"), usos condenados pela norma-padrão.
  3. "Norma Curta": Faraco cunhou este termo para se referir à visão empobrecida e autoritária da norma linguística que circula no senso comum e em parte da mídia. A "norma curta" é reducionista, inflexível e se apega a um pequeno conjunto de regras gramaticais (crase, colocação pronominal, concordância verbal) como se fossem a totalidade da língua, ignorando a complexidade da variação e da adequação linguística. É a "norma curta" que alimenta a maior parte do preconceito linguístico.

Repressões históricas e políticas de assimilação

  • Espanha Franquista (1939-1975): O regime de Franco proibiu o uso público do catalão, galego, basco e aragonês. A repressão incluía multas, prisões e até execuções por uso de "línguas regionais". Professores eram obrigados a castigar fisicamente crianças que falassem suas línguas maternas.
  • Brasil - Estado Novo (1937-1945): A campanha de nacionalização forçada proibiu o uso de alemão, italiano, japonês e outras línguas de imigrantes. Escolas foram fechadas, jornais censurados e cidadãos presos por "crime de falar língua estrangeira".
  • Turquia Kemalista: A construção da identidade turca moderna incluiu a sistemática repressão do curdo, do árabe e de outras línguas minoritárias. A política de "Uma língua, uma nação" resultou em décadas de perseguição linguística.
  • Estados Unidos - Movimento "English Only": Desde os anos 1980, movimentos conservadores promovem leis declarando o inglês como "língua oficial", visando restringir o uso público do espanhol e outras línguas de imigrantes