Por Sthefany Vogado
27/10/2025
Um estudo recente publicado na revista Frontiers in Psychology concluiu que a capacidade de linguagem no Homo sapiens já estava plenamente desenvolvida pelo menos 135 mil anos atrás. O achado combina dados genéticos, arqueológicos e linguísticos para sugerir que a linguagem precedeu muitos dos comportamentos culturais modernos e acompanhou a primeira divisão populacional da nossa espécie.
Os autores sustentam que, se todas as populações modernas possuem linguagem, então a capacidade deveria estar presente antes da primeira divisão populacional significativa do Homo sapiens. Estudos genéticos recentes apontam que essa divisão ocorreu por volta de 135 mil anos atrás, o que configura um limite mínimo para o surgimento da linguagem nessa espécie.
A proposta distingue linguagem de língua ou idioma específico. Enquanto uma língua precisa ser aprendida, a linguagem é vista como uma capacidade inata que permite a aquisição de qualquer sistema linguístico. Essa base cognitiva comum teria então dado suporte ao surgimento, mais tarde, de sistemas simbólicos, arte rupestre e cultura material complexa.
Os autores também observam um “hiato” entre a emergência dessa capacidade linguística e a ampla evidência arqueológica de comportamentos humanos modernos — como arte plumária, utensílios simbólicos ou sepultamentos elaborados — que aparecem de forma mais consistente por volta de 100 mil anos atrás. Isso sugere que a linguagem pode ter sido a infraestrutura cognitiva que impulsionou o desenvolvimento cultural posterior.
Há, contudo, várias ressalvas. A definição de “linguagem” varia entre disciplinas — linguistas, arqueólogos e genéticos podem usar termos diferentes ao tratar da questão. Alguns questionam se o que se detecta é “linguagem plena” ou formas mais rudimentares — uma protolinguagem ou sistema comunicativo intermediário.
Além disso, a evidência direta da linguagem não fossiliza, então os pesquisadores dependem de indícios indiretos: padrões genômicos, artefatos simbólicos, organização comportamental. Por isso, os dados estabelecem quando ao menos a linguagem devia existir, não exatamente quando surgiu.
A importância do estudo é significativa para os campos da linguística, antropologia e história da evolução humana: ao deslocar para trás o “marco mínimo” da linguagem, ele amplia o tempo disponível para se investigar os mecanismos que permitiram ao Homo sapiens se tornar a espécie simbólica dominante. A continuidade da pesquisa envolverá estudo de sistemas comunicativos em outros primatas, reconstrução de redes genéticas antigas e análise mais fina das primeiras manifestações simbólicas.
Em suma, embora não se afirme que 135 mil anos seja o exato momento de surgimento da linguagem humana, o estudo reforça que a base dessa capacidade já estava instalada nessa época — e que o desenvolvimento cultural que conhecemos pode ter sido possível graças a esse fundo comum cognitivo.
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