Sociolinguística Educacional
A escola brasileira frequentemente opera sob o mito da língua homogênea, resultando em um ensino de Português calcado na gramática tradicional prescritiva e na imposição da norma-padrão como única forma "correta" e legítima de uso linguístico. Essa perspectiva purista e normativa tende a ignorar, rejeitar ou estigmatizar usos que não estão de acordo com a norma culta escrita, tratando variações regionais, sociais e estilísticas como "erros", "desvios" ou "vícios de linguagem".
Marcos Bagno identifica esse modelo como o mito do triângulo escola-gramática-dicionário, onde:
- A escola é vista como único espaço legítimo de aprendizagem da língua
- A gramática normativa é tratada como conjunto de leis imutáveis
- O dicionário é visto como repositório definitivo e fechado do léxico "correto"
Esse modelo ignora completamente a natureza dinâmica, heterogênea e socialmente constituída da linguagem, produzindo efeitos deletérios:
- Insegurança linguística massiva entre alunos, especialmente os de classes populares
- Fracasso escolar atribuído erroneamente a "deficiências linguísticas" dos alunos
- Perpetuação de preconceitos de classe, regionais e étnicos através do preconceito linguístico
- Alienação dos alunos em relação à sua própria língua e cultura
A Sociolinguística Educacional (desenvolvida por Stella Maris Bortoni-Ricardo, Carlos Alberto Faraco, Marcos Bagno, Sírio Possenti, entre outros) propõe a superação radical desse modelo. O objetivo da escola, sob a luz da Sociolinguística, não é ensinar o aluno a falar português (competência que ele já possui ao chegar à escola), mas sim expandir sua competência comunicativa, capacitando-o a:
- Produzir enunciados adequados às diversas situações de discurso (formais/informais, escritas/orais)
- Transitar conscientemente entre diferentes registros e variedades
- Compreender a natureza social e política da variação linguística
- Dominar a variedade-padrão como instrumento de poder e mobilidade social, sem rejeitar suas variedades de origem
- Desenvolver consciência crítica sobre preconceito linguístico e suas relações com outras formas de discriminação
A variedade-padrão deve ser tratada como uma das variedades da língua em uso – aquela que goza de maior prestígio social e é exigida em contextos formais, escritos e institucionais – e não como um padrão absoluto imposto de forma violenta sobre a heterogeneidade natural e legítima da língua.
A língua, como prática social e estrutura simbólica, é atravessada por ideologias, relações de poder e desigualdades sociais. A educação linguística deve reconhecer explicitamente essa natureza socialmente constituída da linguagem e a centralidade da interação social na constituição dos sujeitos e na construção de significados.
O combate ao preconceito linguístico através do conhecimento
O estudo do Contato Linguístico oferece subsídios diretos e poderosos para o combate ao preconceito linguístico. Este preconceito, definido como uma atitude negativa dirigida a variedades de baixo prestígio social e a seus falantes, é sistematicamente reforçado na Educação Básica quando o ensino:
- Trata variações como "erros" que devem ser "corrigidos"
- Ridiculariza sotaques, construções sintáticas e escolhas lexicais não-padrão
- Avalia pejorativamente alunos com base em sua variedade linguística
- Ignora completamente a diversidade linguística do país
O professor de Língua Portuguesa tem o dever ético e profissional de:
- Desconstruir mitos populares sobre a língua (a ideia de que existe apenas uma forma "certa", que certas línguas/variedades são "mais ricas" ou "mais lógicas", que o português brasileiro está "se deteriorando")
- Conscientizar os alunos sobre as muitas variações da linguagem, mostrando que essas manifestações dependem de fatores sociais (classe, escolaridade, profissão), históricos (mudanças diacrônicas), geográficos (dialetos regionais), situacionais (registros formais/informais) e identitários (marcação de pertencimento grupal)
- Demonstrar o caráter ideológico do preconceito linguístico, revelando como ele serve para naturalizar e reproduzir desigualdades sociais mais amplas
- Valorizar o repertório linguístico que os alunos trazem de suas comunidades como recurso pedagógico e cultural legítimo
O conhecimento científico sobre a diversidade e as dinâmicas de contato linguístico é a principal ferramenta para dirimir a segregação e a exclusão linguística, transformando a escola de reprodutora de preconceitos em espaço de valorização da diversidade e promoção de equidade.
Competências do professor formado em Letras
O professor de Língua Portuguesa formado sob a perspectiva da Sociolinguística de Contato deve ser capaz de:
- Identificar e analisar fenômenos de contato linguístico em diferentes contextos (fronteiras, imigração, variação dialetal, empréstimos)
- Compreender criticamente as relações de poder subjacentes aos fenômenos linguísticos
- Desenvolver materiais didáticos que incorporem a diversidade linguística como recurso pedagógico
- Mediar conflitos entre variedades e atitudes linguísticas na sala de aula
- Avaliar adequadamente a produção linguística dos alunos, distinguindo entre variação legítima e domínio insuficiente de registros formais escritos
- Promover reflexão metalinguística crítica nos alunos
- Atuar como agente de política linguística em suas comunidades escolares e além