Padronização linguística: mudanças entre as edições

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Esse processo pode ocorrer de forma “natural”, impulsionado por centros de poder, ou por ações políticas deliberadas.
Esse processo pode ocorrer de forma “natural”, impulsionado por centros de poder, ou por ações políticas deliberadas.


== Mecanismos de disseminação e controle ==
= Mecanismos de disseminação e controle =
[https://en.wikipedia.org/wiki/James_Milroy James Milroy] distingue entre:
[https://en.wikipedia.org/wiki/James_Milroy James Milroy] distingue entre:
*'''Padronização''' (''standardization''): Processo histórico de imposição
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* '''Autoridade simbólica''': atuação de gramáticos, escritores e "autoridades da língua" que moldam o que é considerado normativo.
* '''Autoridade simbólica''': atuação de gramáticos, escritores e "autoridades da língua" que moldam o que é considerado normativo.


== Vantagens e problemas ==
= Vantagens e problemas =


=== Vantagens ===
== Vantagens ==
# Facilita a comunicação padrão entre falantes de diferentes variedades linguísticas, promovendo coesão social.
# Facilita a comunicação padrão entre falantes de diferentes variedades linguísticas, promovendo coesão social.
# Funciona como instrumento crucial na educação formal, oferecendo clareza e credibilidade em contextos acadêmicos e profissionais.
# Funciona como instrumento crucial na educação formal, oferecendo clareza e credibilidade em contextos acadêmicos e profissionais.
# Sustenta literatura, ciência e cultura escrita, permitindo circulação cultural ampla.
# Sustenta literatura, ciência e cultura escrita, permitindo circulação cultural ampla.


=== Problemas ===
== Problemas ==
# A norma-padrão reflete o prestígio de classes dominantes e pode marginalizar variedades regionais e populares.
# A norma-padrão reflete o prestígio de classes dominantes e pode marginalizar variedades regionais e populares.
# Gera preconceito linguístico contra falantes de variedades não padrão.
# Gera preconceito linguístico contra falantes de variedades não padrão.
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= Referências =
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= Bibliografia =
= Bibliografia ==
* BORTONI-RICARDO, Stella Maris. Sociolinguística: variação, uso e mudança. São Paulo: Parábola, 2014.
* BORTONI-RICARDO, Stella Maris. Sociolinguística: variação, uso e mudança. São Paulo: Parábola, 2014.
* BORTONI-RICARDO, Stella Maris. O português do Brasil urbano. São Paulo: Parábola, 2019.
* BORTONI-RICARDO, Stella Maris. O português do Brasil urbano. São Paulo: Parábola, 2019.
* CALVET, Louis-Jean. Sociolinguística: uma introdução crítica. São Paulo: Parábola, 2002.
* CALVET, Louis-Jean. Sociolinguística: uma introdução crítica. São Paulo: Parábola, 2002.
* FARACO, Carlos Alberto; ZILLES, Ana Maria Stahl. Gêneros orais e normas linguísticas. In: Linguística aplicada, ensino e aprendizagem de línguas. Campinas: Pontes, 2017.
* FARACO, Carlos Alberto; ZILLES, Ana Maria Stahl. Gêneros orais e normas linguísticas. In: Linguística aplicada, ensino e aprendizagem de línguas. Campinas: Pontes, 2017.
* GAMA, Inês. Variação e norma linguística. Ciberdúvidas da Língua Portuguesa. Disponível em: https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/artigos/rubricas/ensino/variacao-e-norma-linguistica/4785. Acesso em: 07 set. 2025.
* TIMBANE, Arlindo António; BERLINCK, Rosane de Andrade. A norma-padrão europeia de português e os problemas de ensino em Moçambique. Gragoatá, v. 17, n. 32, 2012.

Edição atual tal como às 12h23min de 7 de setembro de 2025

A norma-padrão é um construto idealizado, composto por regras prescritivas de uso, predominantemente na modalidade escrita, que serve como referência legitimadora dentro de uma comunidade linguística.

História: origem dos padrões linguísticos[editar]

A criação de uma norma-padrão é um processo político, não um fenômeno natural da língua. A padronização é uma intervenção deliberada sobre a língua, geralmente associada à formação dos Estados-Nacionais. Unificar a língua era (e é) uma forma de unificar o território, a administração, a educação e a identidade nacional.

O processo de padronização teve início na Europa no fim do século XV, em meio ao fortalecimento dos Estados centrais, quando se buscava uma unidade linguística suprarregional. Gramáticas e dicionários passaram a exercer função normativa, validando um padrão considerado correto. Em contextos nacionais consolidados — como França e Espanha —, o dialeto de prestígio regional foi elevado à condição de norma-padrão com o apoio estatal [1].

No Brasil, a padronização se articulou a partir dos séculos XVIII e XIX. A fundação da Academia Brasileira de Letras (ABL) em 1897 foi um marco na tentativa de estabelecer uma autoridade sobre a língua, espelhando-se na Academia Francesa. As reformas e acordos ortográficos, por sua vez, foram decisões políticas que visavam unificar a escrita entre Brasil e Portugal, muitas vezes com interesses econômicos e de mercado editorial subjacentes.

A padronização acompanha processos de construção estatal e imperial. A história das políticas linguísticas mostra três vetores principais:

  • Formação dos Estados-Nação: a unificação linguística foi estratégia central na consolidação do poder estatal. A França jacobina eliminou sistematicamente as línguas regionais através da educação obrigatória. O lema "Une langue, une nation" (Uma língua, uma nação) justificou séculos de política linguística assimilacionista.
  • Imperialismo e colonialismo linguísticos: as potências coloniais impuseram suas línguas como instrumentos de dominação cultural. O inglês, francês, espanhol, português e holandês se espalharam não por superioridade intrínseca, mas através da força política e militar. O "linguistic imperialism" (imperialismo linguístico) de Robert Phillipson analisa como o inglês mantém sua dominação global através de estruturas de poder econômico e político.
  • Construção de identidades nacionais: Benedict Anderson, em "Comunidades Imaginadas", mostra como a padronização linguística foi fundamental para criar o sentimento de pertencimento nacional. A "invenção" de tradições linguísticas serviu para legitimar projetos políticos específicos.

Processo: como se constitui a norma-padrão[editar]

Einar Haugen identificou quatro processos na padronização linguística:

  1. Seleção: Escolha de uma variedade como base, geralmente associada ao poder político, econômico ou cultural
  2. Codificação: Fixação de regras em gramáticas e dicionários
  3. Implementação: Difusão através de instituições (escola, mídia, Estado)
  4. Elaboração: Desenvolvimento de registros especializados

Esse processo pode ocorrer de forma “natural”, impulsionado por centros de poder, ou por ações políticas deliberadas.

Mecanismos de disseminação e controle[editar]

James Milroy distingue entre:

  • Padronização (standardization): Processo histórico de imposição
  • Ideologia do padrão (standard ideology): Conjunto de crenças que legitimam o padrão

Os principais mecanismos de disseminação e controle são:

  • Institucionalização: adoção da norma em documentos oficiais, ensino e gramáticas normativas.
  • Mídia e cultura letrada: circulação em jornais, rádio, TV e literatura que legitime o uso da norma.
  • Educação formal: escola como canal de transmissão e ferramenta de legitimidade.
  • Autoridade simbólica: atuação de gramáticos, escritores e "autoridades da língua" que moldam o que é considerado normativo.

Vantagens e problemas[editar]

Vantagens[editar]

  1. Facilita a comunicação padrão entre falantes de diferentes variedades linguísticas, promovendo coesão social.
  2. Funciona como instrumento crucial na educação formal, oferecendo clareza e credibilidade em contextos acadêmicos e profissionais.
  3. Sustenta literatura, ciência e cultura escrita, permitindo circulação cultural ampla.

Problemas[editar]

  1. A norma-padrão reflete o prestígio de classes dominantes e pode marginalizar variedades regionais e populares.
  2. Gera preconceito linguístico contra falantes de variedades não padrão.
  3. Favorece rigidez normativa, ignorando a diversidade e mudança da língua.
  4. Em contextos plurilíngues, como em Moçambique, pode gerar conflitos ao impor padrões europeus [2].

Normatização, padronização e fatores políticos[editar]

O processo de padronização complicadores que tornam crucial distinguir três conceitos:

  1. Norma Padrão: É um modelo linguístico idealizado, codificado nas gramáticas normativas e nos dicionários. É uma construção política e social que serve como referência para a unificação da língua, especialmente na escrita formal e em contextos institucionais. Frequentemente, a norma-padrão se baseia em usos literários do passado e não reflete o uso real de nenhum grupo social.
  2. Norma Culta: Segundo o linguista Carlos Alberto Faraco, a norma culta é o conjunto de fenômenos linguísticos que ocorrem habitualmente no uso de falantes letrados em situações monitoradas de fala e escrita. A norma culta é uma norma de uso, viva e variável, e não se confunde com a norma-padrão. Por exemplo, na norma culta falada no Brasil, é comum iniciar frases com pronomes oblíquos ("Me dá um copo d'água") ou usar o pronome "ele(a)" como objeto direto ("Eu vi ela na rua"), usos condenados pela norma-padrão.
  3. "Norma Curta": Faraco cunhou este termo para se referir à visão empobrecida e autoritária da norma linguística que circula no senso comum e em parte da mídia. A "norma curta" é reducionista, inflexível e se apega a um pequeno conjunto de regras gramaticais (crase, colocação pronominal, concordância verbal) como se fossem a totalidade da língua, ignorando a complexidade da variação e da adequação linguística. É a "norma curta" que alimenta a maior parte do preconceito linguístico.

Repressões históricas e políticas de assimilação[editar]

  • Espanha Franquista (1939-1975): O regime de Franco proibiu o uso público do catalão, galego, basco e aragonês. A repressão incluía multas, prisões e até execuções por uso de "línguas regionais". Professores eram obrigados a castigar fisicamente crianças que falassem suas línguas maternas.
  • Brasil - Estado Novo (1937-1945): A campanha de nacionalização forçada proibiu o uso de alemão, italiano, japonês e outras línguas de imigrantes. Escolas foram fechadas, jornais censurados e cidadãos presos por "crime de falar língua estrangeira".
  • Turquia Kemalista: A construção da identidade turca moderna incluiu a sistemática repressão do curdo, do árabe e de outras línguas minoritárias. A política de "Uma língua, uma nação" resultou em décadas de perseguição linguística.
  • Estados Unidos - Movimento "English Only": Desde os anos 1980, movimentos conservadores promovem leis declarando o inglês como "língua oficial", visando restringir o uso público do espanhol e outras línguas de imigrantes

Referências[editar]

  1. CALVET, Louis-Jean. Sociolinguística: uma introdução crítica. São Paulo: Parábola, 2002.
  2. TIMBANE, Arlindo António; BERLINCK, Rosane de Andrade. A norma-padrão europeia de português e os problemas de ensino em Moçambique. Gragoatá, v. 17, n. 32, 2012.

Bibliografia[editar]

  • BORTONI-RICARDO, Stella Maris. Sociolinguística: variação, uso e mudança. São Paulo: Parábola, 2014.
  • BORTONI-RICARDO, Stella Maris. O português do Brasil urbano. São Paulo: Parábola, 2019.
  • CALVET, Louis-Jean. Sociolinguística: uma introdução crítica. São Paulo: Parábola, 2002.
  • FARACO, Carlos Alberto; ZILLES, Ana Maria Stahl. Gêneros orais e normas linguísticas. In: Linguística aplicada, ensino e aprendizagem de línguas. Campinas: Pontes, 2017.