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Edição das 11h40min de 6 de novembro de 2025
A Sociolinguística Educacional constitui um campo de estudos que investiga as relações entre linguagem, sociedade e educação, dedicando-se especialmente aos problemas linguísticos que emergem no contexto escolar. Este subcampo da Sociolinguística volta-se para questões fundamentais como o tratamento da variação linguística na escola, o papel das variedades linguísticas no processo de ensino-aprendizagem e as políticas linguísticas educacionais.
A relevância deste campo de estudos justifica-se pela necessidade de compreender como as diferenças linguísticas afetam o desempenho escolar dos alunos e como a escola pode desenvolver práticas pedagógicas que respeitem a diversidade linguística sem comprometer o acesso à norma-padrão.
Contexto Histórico e Fundamentos Teóricos
O Fracasso Escolar como Problema Social
A Sociolinguística Educacional desenvolveu-se a partir dos anos 1960 e 1970, em um contexto marcado por profundas preocupações com o fracasso escolar massivo de crianças oriundas de classes populares e de minorias étnicas. Nos Estados Unidos, a situação da população afro-americana; na Inglaterra, das classes trabalhadoras; e em diversos países, incluindo o Brasil, das camadas populares urbanas e rurais, evidenciava que a escola não estava cumprindo seu papel democratizante.
No Brasil, os índices de repetência e evasão escolar nas décadas de 1970 e 1980 eram alarmantes. Segundo dados do IBGE e do MEC desse período, as taxas de repetência na primeira série do ensino fundamental (antigo primário) chegavam a 50% a 60% em algumas regiões, particularmente nas áreas mais pobres. A evasão escolar acumulada até a quarta série atingia patamares de 60% a 70% dos alunos que iniciavam a escolarização. Esses números evidenciavam que a escola brasileira funcionava como um funil de exclusão, sendo incapaz de garantir o direito à educação para a maioria da população.
Estudos realizados por pesquisadores como Sérgio Costa Ribeiro, nos anos 1980, demonstraram que esse fracasso não se distribuía aleatoriamente pela população: concentrava-se entre crianças negras, pobres, residentes em periferias urbanas e zonas rurais. Essa constatação levou pesquisadores a questionarem as explicações tradicionais para o fracasso escolar, que o atribuíam a deficiências individuais, familiares ou culturais dos alunos.
2.2. A Teoria do Déficit Linguístico: Basil Bernstein
Na Inglaterra, o sociólogo Basil Bernstein desenvolveu, a partir dos anos 1960, uma teoria que exerceu enorme influência sobre o debate educacional. Estudando famílias de classe trabalhadora e de classe média em Londres, Bernstein propôs a distinção entre dois tipos de códigos linguísticos:
Código restrito: caracterizado por:
- Estruturas sintáticas simples e repetitivas
- Vocabulário limitado
- Alto grau de implicitação (dependência do contexto)
- Uso frequente de pronomes indefinidos e de expressões de senso comum
- Típico das interações em contextos familiares e entre membros do mesmo grupo social
Código elaborado: caracterizado por:
- Estruturas sintáticas complexas e variadas
- Vocabulário amplo e diversificado
- Baixo grau de implicitação (menor dependência do contexto)
- Uso de definições, explicações e qualificações
- Adequado a contextos formais e à comunicação com interlocutores diversos
Segundo Bernstein, crianças de classe trabalhadora teriam acesso predominantemente ao código restrito, enquanto crianças de classe média dominariam ambos os códigos. Como a escola operaria exclusivamente com o código elaborado, as crianças de classe trabalhadora estariam em desvantagem.
Críticas à teoria de Bernstein:
Embora Bernstein tenha alertado que não se tratava de superioridade ou inferioridade linguística, mas de diferenças funcionais relacionadas ao contexto social, sua teoria foi frequentemente interpretada como uma teoria do déficit linguístico. Essa interpretação problemática levava a:
- Considerar que crianças de classe popular tinham linguagem deficiente ou empobrecida
- Atribuir o fracasso escolar a carências linguísticas dos alunos e suas famílias
- Justificar programas compensatórios que visavam "corrigir" as supostas deficiências
- Responsabilizar as vítimas pelo fracasso, isentando a escola e o sistema educacional
2.3. William Labov e a Teoria da Diferença
A contestação mais vigorosa à teoria do déficit veio do linguista norte-americano William Labov. Em seus estudos sobre o inglês vernacular afro-americano (AAVE - African American Vernacular English), particularmente em pesquisas realizadas no Harlem, em Nova York, Labov demonstrou de forma inequívoca que:
- Todas as variedades linguísticas são sistemas complexos e estruturados, regidos por regras gramaticais sistemáticas e capazes de expressar qualquer tipo de pensamento, concreto ou abstrato.
- As diferenças linguísticas não refletem diferenças cognitivas. Crianças falantes de variedades não-padrão demonstravam, em contextos apropriados, capacidades argumentativas e lógicas sofisticadas.
- O fracasso escolar resulta do conflito entre variedades linguísticas, não de deficiências dos alunos. A escola desvaloriza e rejeita as variedades que as crianças trazem de casa, criando barreiras ao aprendizado.
Labov analisou, por exemplo, entrevistas com jovens afro-americanos que, em situações formais de teste, pareciam ter habilidades verbais limitadas, mas que, em contextos informais entre pares, demonstravam extraordinária competência verbal, usando recursos retóricos complexos, narrativas elaboradas e raciocínio lógico refinado.
Surgiu assim a teoria da diferença, que reconhece a legitimidade e a complexidade de todas as variedades linguísticas, deslocando o problema do aluno para a relação entre a escola e a diversidade linguística. O fracasso escolar passa a ser visto como resultado de um descompasso entre:
- A variedade linguística valorizada pela escola (geralmente a norma-padrão)
- As variedades que os alunos efetivamente dominam e utilizam
2.4. Contribuições de Magda Soares para a Sociolinguística Educacional Brasileira
No Brasil, Magda Soares foi pioneira em trazer as discussões da Sociolinguística para o campo educacional, tornando-se referência fundamental para pensar o ensino de língua portuguesa em uma perspectiva socialmente comprometida.
Principais contribuições:
- Linguagem e escola: uma perspectiva social (1986): obra seminal que apresentou ao público brasileiro as teorias de Bernstein e Labov, analisando criticamente a relação entre linguagem, classes sociais e educação. Soares discutiu como a escola brasileira reproduzia desigualdades sociais por meio do tratamento dado à linguagem.
- Alfabetização e letramento: Magda Soares foi fundamental para introduzir e desenvolver no Brasil o conceito de letramento (literacy), distinguindo-o de alfabetização. Enquanto alfabetização refere-se à aquisição do código escrito, letramento diz respeito às práticas sociais de leitura e escrita e seus significados culturais.
- Crítica à teoria do déficit: Soares demonstrou como o discurso do déficit linguístico serviu historicamente para justificar o fracasso das camadas populares, mascarando as verdadeiras causas estruturais da exclusão escolar no Brasil.
- Democratização do acesso à norma-padrão: defendeu que a escola deve garantir às classes populares o acesso à variedade de prestígio, sem desvalorizar suas variedades de origem. A apropriação da norma-padrão é vista como instrumento de luta contra a desigualdade, não como negação da identidade linguística.
- Políticas linguísticas educacionais: contribuiu decisivamente para a reformulação de currículos e programas de ensino de língua portuguesa no Brasil, influenciando os Parâmetros Curriculares Nacionais e gerações de professores e pesquisadores.
2.5. As Reformas Educacionais Brasileiras
A crise educacional evidenciada pelos altos índices de repetência e evasão nas décadas de 1970 e 1980 motivou profundas transformações nas políticas educacionais brasileiras:
Anos 1980:
- Primeiras experiências de ciclos de aprendizagem, buscando superar a lógica da seriação rígida
- Questionamento dos processos avaliativos que excluíam massivamente
- Início da incorporação de perspectivas construtivistas e sociointeracionistas
Anos 1990:
- Promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB - 1996)
- Elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais (1997-1998), incorporando contribuições da Sociolinguística
- Políticas de progressão continuada em diversos estados
- Avaliações em larga escala (SAEB, depois Prova Brasil)
Anos 2000-2010:
- Ampliação do ensino fundamental para nove anos
- Programas de correção de fluxo escolar
- Investimentos em formação docente
- Maior atenção à diversidade linguística e cultural
Essas reformas, embora nem sempre bem-sucedidas em todos os aspectos, foram fortemente influenciadas pelos debates da Sociolinguística Educacional, incorporando gradualmente uma perspectiva mais respeitosa em relação à variação linguística.
3. Variação Linguística e Ensino
3.1. O Conceito de Norma
Um dos conceitos centrais para a Sociolinguística Educacional é o de norma linguística. É fundamental distinguir entre:
- Norma-padrão: variedade de prestígio social, geralmente associada à escrita formal e aos usos cultos da língua. É codificada em gramáticas normativas e dicionários.
- Norma culta: conjunto de usos linguísticos efetivamente praticados por falantes escolarizados em situações monitoradas.
- Normas vernaculares: variedades utilizadas em situações cotidianas, informais, características de diferentes grupos sociais.
A escola tradicionalmente privilegia o ensino da norma-padrão, muitas vezes desconsiderando ou mesmo estigmatizando as variedades vernaculares que os alunos trazem de suas comunidades de origem.
3.2. Preconceito Linguístico no Contexto Escolar
O preconceito linguístico manifesta-se quando determinadas formas de falar são consideradas "erradas", "feias" ou "inferiores". No ambiente escolar, isso se traduz em práticas que:
- Corrigem sistematicamente a fala dos alunos sem contextualização
- Associam variedades populares à ignorância ou falta de capacidade intelectual
- Avaliam negativamente produções textuais que apresentam marcas de oralidade ou de variedades não-padrão
- Reproduzem estereótipos sobre falantes de determinadas regiões ou classes sociais
Bagno (1999, 2007) tem sido um dos principais divulgadores desta problemática no Brasil, alertando para os danos que o preconceito linguístico causa ao processo educacional.
4. Desafios da Sociolinguística Educacional
4.1. O Dilema da Norma-Padrão
Um dos principais desafios da Sociolinguística Educacional é equacionar duas necessidades aparentemente contraditórias:
- Respeitar a variedade linguística do aluno, reconhecendo-a como legítima e evitando o preconceito linguístico
- Garantir o acesso à norma-padrão, essencial para a mobilidade social e o exercício pleno da cidadania
A solução proposta pelos sociolinguistas é o conceito de pedagogia da variação ou pedagogia culturalmente sensível, que visa ampliar o repertório linguístico dos alunos sem desvalorizar sua variedade de origem.
4.2. Letramento e Letramentos Múltiplos
O conceito de letramento foi introduzido no Brasil nos anos 1980, principalmente por meio dos trabalhos de Mary Kato, Ângela Kleiman e Magda Soares, como tradução do termo inglês literacy. Enquanto alfabetização refere-se ao processo de aquisição do código escrito (aprender a ler e escrever no sentido técnico), letramento designa o conjunto de práticas sociais de leitura e escrita e os significados que elas assumem em diferentes contextos.
Características do conceito de letramento:
- Perspectiva social: o letramento não é uma habilidade individual neutra, mas uma prática social situada historicamente e culturalmente.
- Multiplicidade: existem diferentes tipos de letramento, relacionados a diversos domínios sociais (letramento escolar, religioso, profissional, digital, etc.).
- Relação com o poder: as práticas de letramento estão ligadas a relações de poder, sendo algumas valorizadas socialmente enquanto outras são marginalizadas.
- Continuum: há graus de letramento, e as pessoas podem ser letradas em alguns domínios e não em outros.
Letramentos dominantes e letramentos vernaculares:
Brian Street, antropólogo que desenvolveu os estudos sobre letramento, propôs a distinção entre:
- Letramentos dominantes: práticas de leitura e escrita valorizadas e impostas por instituições poderosas (escola, igreja, Estado, empresas). Caracterizam-se por serem formais, padronizados e frequentemente descontextualizados.
- Letramentos vernaculares: práticas de leitura e escrita que emergem da vida cotidiana das pessoas, de suas necessidades comunicativas reais. São autogerados, frequentemente colaborativos, e profundamente enraizados nas experiências dos participantes.
Implicações educacionais:
A perspectiva dos letramentos múltiplos reconhece que:
- Os alunos já chegam à escola letrados: crianças de todas as classes sociais têm contato com práticas de leitura e escrita antes da escolarização formal, ainda que essas práticas sejam diferentes entre os grupos sociais.
- A escola tende a desvalorizar letramentos vernaculares: práticas como leitura de cordel, receitas de família, listas de compras, bilhetes, mensagens de celular, entre outras, são frequentemente ignoradas ou consideradas "não-leitura" pela escola.
- É necessário construir pontes: uma pedagogia eficaz deve partir dos letramentos que os alunos já possuem para conduzi-los progressivamente aos letramentos escolares e outros letramentos dominantes necessários à participação social plena.
- Letramento crítico: além de dominar práticas de leitura e escrita, os alunos devem desenvolver capacidade de análise crítica dos textos, compreendendo as relações de poder, as ideologias e os interesses que permeiam os discursos.
Magda Soares e o letramento:
Em sua obra "Letramento: um tema em três gêneros" (1998), Magda Soares sistematizou as discussões sobre o tema no Brasil, alertando para dois riscos:
- Desinvenção da alfabetização: ao enfatizar o letramento, corre-se o risco de negligenciar o ensino sistemático do código, prejudicando especialmente crianças de classes populares que dependem da escola para alfabetizar-se.
- Imposição de um único modelo de letramento: a escola não deve apenas reproduzir letramentos dominantes, mas problematizá-los e valorizar também os letramentos das comunidades de origem dos alunos.
Soares defende a alfabetização na perspectiva do letramento: ensinar o código alfabético em contextos significativos, relacionados a práticas sociais reais de leitura e escrita, respeitando e incorporando as experiências culturais dos alunos.
4.3. Bilinguismo e Educação
Em muitas regiões do Brasil, a questão da Sociolinguística Educacional envolve também o bilinguismo, particularmente em contextos de:
- Comunidades indígenas: onde crianças têm como primeira língua um idioma indígena
- Comunidades de imigrantes: especialmente no Sul do Brasil, onde se mantêm línguas como o alemão, o italiano e o polonês (Hunsrückisch, Talian, etc.)
- Comunidades surdas: onde a Língua Brasileira de Sinais (Libras) é a primeira língua
Nesses contextos, a educação bilíngue apresenta-se como necessidade e direito, conforme garantido pela Constituição Federal e por legislação específica.
5. Propostas Pedagógicas
5.1. Princípios para uma Pedagogia Sociolinguisticamente Informada
Bortoni-Ricardo (2004, 2005) propõe princípios fundamentais para uma pedagogia que considere a variação linguística:
- Identificar as diferenças entre a variedade do aluno e a norma-padrão, compreendendo quais traços precisam ser trabalhados
- Trabalhar com o continuum de monitoração estilística, ajudando os alunos a perceberem quando contextos formais exigem maior atenção à norma-padrão
- Ampliar gradualmente o repertório linguístico, sem rejeitar a variedade de origem
- Tratar os "erros" como hipóteses sobre o funcionamento da língua, não como deficiências
5.2. Estratégias Didáticas
Algumas estratégias concretas incluem:
Atividades de reflexão sobre a variação:
- Análise de textos orais e escritos em diferentes registros
- Comparação entre variedades regionais, sociais e estilísticas
- Discussão sobre adequação linguística a diferentes contextos
Trabalho com gêneros textuais:
- Exploração da variação presente em diferentes gêneros
- Produção de textos em diversos registros
- Análise das condições de produção que determinam escolhas linguísticas
Combate ao preconceito linguístico:
- Desconstrução de mitos sobre a língua
- Valorização da diversidade linguística brasileira
- Discussão sobre o papel social das diferentes variedades
5.3. O Papel do Professor
O professor de língua portuguesa, numa perspectiva sociolinguística, deve atuar como:
- Mediador cultural: facilitando o trânsito entre diferentes variedades linguísticas
- Promotor da reflexão metalinguística: levando os alunos a compreenderem o funcionamento da variação
- Combatente do preconceito linguístico: desmistificando crenças equivocadas sobre a língua
- Ampliador de repertórios: proporcionando acesso a diferentes variedades e registros
6. Políticas Linguísticas Educacionais no Brasil
6.1. Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN)
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) de Língua Portuguesa, publicados em 1997 para o primeiro e segundo ciclos e em 1998 para o terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental, representaram um marco na incorporação de perspectivas sociolinguísticas às políticas educacionais brasileiras.
Principais contribuições dos PCN:
- Reconhecimento da variação linguística: os PCN explicitam que "a variação é constitutiva das línguas humanas, ocorrendo em todos os níveis" e que "a escola deve trabalhar com a noção de que a língua é heterogênea".
- Crítica à perspectiva normativa tradicional: o documento questiona o ensino baseado exclusivamente na transmissão de regras da norma-padrão, propondo uma abordagem que considere os usos efetivos da língua.
- Foco nos gêneros textuais: os PCN propõem que o ensino se organize em torno de gêneros textuais diversos, considerando suas funções sociais, condições de produção e circulação.
- Respeito à variedade do aluno: enfatizam que "cabe à escola ensinar o aluno a utilizar a linguagem oral nas diversas situações comunicativas, especialmente nas mais formais", sem desvalorizar sua variedade de origem.
- Ampliação da competência comunicativa: o objetivo não é substituir uma variedade por outra, mas ampliar o repertório linguístico dos alunos, tornando-os capazes de adequar sua linguagem a diferentes contextos.
6.2. Base Nacional Comum Curricular (BNCC)
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC), homologada em 2017 para a Educação Infantil e Ensino Fundamental e em 2018 para o Ensino Médio, mantém e aprofunda os princípios sociolinguísticos presentes nos PCN, incorporando também perspectivas mais contemporâneas sobre linguagem e tecnologia.
Aspectos sociolinguísticos na BNCC:
- Eixo da Análise Linguística/Semiótica: a BNCC propõe que o trabalho com a língua considere "conhecimentos linguísticos relacionados à variação linguística e suas relações com o preconceito linguístico".
- Competências específicas de Língua Portuguesa: incluem "reconhecer a variação linguística como característica de uso da língua por diferentes grupos sociais e como elemento de identidade cultural, regional e geracional, valorizando-a como patrimônio cultural".
- Habilidades sobre variação linguística: distribuídas ao longo dos anos, as habilidades propõem que os alunos:
- Identifiquem diferentes variedades linguísticas
- Compreendam os contextos de uso de cada variedade
- Reconheçam e combatam o preconceito linguístico
- Dominem progressivamente a norma-padrão em situações que a exijam
- Campo da vida pública: a BNCC organiza o ensino em campos de atuação social. No campo da vida pública, os alunos devem desenvolver competências relacionadas ao uso formal da língua, compreendendo que certos contextos demandam variedades mais monitoradas.
- Multiletramentos e cultura digital: a BNCC incorpora a noção de multiletramentos, reconhecendo:
- A multiplicidade de linguagens (verbal, visual, sonora, gestual)
- A diversidade cultural e a necessidade de respeitar diferentes práticas de letramento
- As novas práticas de leitura e escrita surgidas com as tecnologias digitais
- Progressão das aprendizagens: a BNCC estabelece uma progressão que vai do reconhecimento das variedades linguísticas nos anos iniciais até a análise crítica das relações entre variação e preconceito linguístico nos anos finais e no Ensino Médio.
Habilidades específicas sobre variação linguística na BNCC:
- Anos iniciais (1º ao 5º ano): "Identificar e reproduzir, em textos de diferentes gêneros, a formatação e diagramação específicas de cada gênero" - preparando para compreender que diferentes contextos demandam diferentes usos linguísticos.
- Anos finais (6º ao 9º ano):
- (EF69LP55) "Reconhecer as variedades da língua falada, o conceito de norma-padrão e o de preconceito linguístico"
- (EF69LP56) "Fazer uso consciente e reflexivo de regras e normas da norma-padrão em situações de fala e escrita nas quais ela deve ser usada"
- Ensino Médio: Aprofundamento da reflexão sobre "variação linguística, considerando diferentes fatores (geográficos, históricos, sociológicos, situacionais) e seus efeitos de sentido".
Desafios da implementação da BNCC:
Apesar dos avanços teóricos, a implementação efetiva da BNCC enfrenta desafios:
- Formação docente: necessidade de formação inicial e continuada que prepare professores para trabalhar com a variação linguística de forma não preconceituosa e pedagogicamente eficaz.
- Materiais didáticos: produção de livros didáticos e recursos pedagógicos alinhados com a perspectiva da BNCC.
- Avaliações externas: sistemas como o ENEM e avaliações estaduais precisam estar coerentes com a abordagem da variação proposta pela BNCC.
- Resistências sociais: persistência de concepções puristas e normativas sobre a língua em diversos setores da sociedade, incluindo famílias e profissionais da educação.
6.3. Outros Documentos e Políticas
Além dos PCN e da BNCC, outras políticas têm contribuído para a perspectiva sociolinguística na educação brasileira:
- Programa Nacional do Livro Didático (PNLD): os critérios de avaliação incluem o respeito à diversidade linguística e a ausência de preconceito linguístico.
- Diretrizes para a Educação Escolar Indígena e Quilombola: reconhecem o direito à educação bilíngue e ao respeito às práticas linguísticas dessas comunidades.
- Lei de Libras (Lei 10.436/2002): reconhece a Língua Brasileira de Sinais como meio legal de comunicação e expressão, garantindo educação bilíngue para surdos.
7. Considerações Finais
A Sociolinguística Educacional oferece subsídios fundamentais para repensar o ensino de língua portuguesa no Brasil. Seu principal contributo é demonstrar que o respeito à diversidade linguística não é incompatível com o ensino da norma-padrão; ao contrário, é condição para um ensino mais eficaz e democrático.
O desafio contemporâneo é traduzir os avanços teóricos em práticas pedagógicas concretas, garantindo que todos os alunos, independentemente de sua origem social ou regional, tenham acesso pleno aos recursos linguísticos necessários para sua inserção social e exercício da cidadania, sem que isso implique negar ou desvalorizar sua identidade linguística e cultural.
A formação de professores conscientes das questões sociolinguísticas, a produção de materiais didáticos adequados e o desenvolvimento de políticas linguísticas educacionais consistentes são caminhos essenciais para a construção de uma educação linguística verdadeiramente inclusiva e democrática.
Referências
BAGNO, M. Preconceito linguístico: o que é, como se faz. São Paulo: Loyola, 1999.
BAGNO, M. Nada na língua é por acaso: por uma pedagogia da variação linguística. São Paulo: Parábola Editorial, 2007.
BERNSTEIN, B. Class, codes and control: theoretical studies towards a sociology of language. London: Routledge & Kegan Paul, 1971. v. 1.
BORTONI-RICARDO, S. M. Educação em língua materna: a sociolinguística na sala de aula. São Paulo: Parábola Editorial, 2004.
BORTONI-RICARDO, S. M. Nós cheguemu na escola, e agora?: sociolinguística e educação. São Paulo: Parábola Editorial, 2005.
BRASIL. Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa. Brasília: MEC/SEF, 1998.
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular: educação é a base. Brasília: MEC, 2018.
CALVET, L.-J. Sociolinguística: uma introdução crítica. São Paulo: Parábola Editorial, 2002.
GNERRE, M. Linguagem, escrita e poder. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
KLEIMAN, A. B. (Org.). Os significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita. Campinas: Mercado de Letras, 1995.
LABOV, W. The logic of nonstandard English. In: ALATIS, J. E. (Ed.). Georgetown Monographs on Language and Linguistics 22. Washington, D.C.: Georgetown University Press, 1969. p. 1-43.
RIBEIRO, S. C. A pedagogia da repetência. Estudos Avançados, São Paulo, v. 5, n. 12, p. 7-21, 1991.
SOARES, M. Linguagem e escola: uma perspectiva social. São Paulo: Ática, 1986.
SOARES, M. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 1998.
SOARES, M. Alfabetização e letramento. São Paulo: Contexto, 2003.
STREET, B. Literacy in theory and practice. Cambridge: Cambridge University Press, 1984.
TARALLO, F. A pesquisa sociolinguística. São Paulo: Ática, 1985.
Para Aprofundamento
Leituras complementares recomendadas:
- CYRANKA, L. F. M. Atitudes linguísticas de alunos de escolas públicas de Juiz de Fora - MG. Tese (Doutorado em Linguística) – Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2007.
- MOLLICA, M. C.; BRAGA, M. L. (Org.). Introdução à sociolinguística: o tratamento da variação. São Paulo: Contexto, 2003.
- ROJO, R.; MOURA, E. (Org.). Multiletramentos na escola. São Paulo: Parábola Editorial, 2012.
- VIEIRA, S. R.;