Políticas linguísticas: mudanças entre as edições

De Letropédia
Linha 523: Linha 523:
'''Ideologia e Gestão:''' A linguagem simples é uma forma de ''gestão linguística'' fundamentada em uma ''ideologia''  de democratização, transparência e cidadania. Ela desafia a crença (ideologia) de que a linguagem formal do poder (o "juridiquês", "burocratês" ou "economês") precisa ser complexa para ser precisa ou ter autoridade (STAREC, 2007). A premissa é que o cidadão tem o direito linguístico  de entender as comunicações que afetam sua vida.
'''Ideologia e Gestão:''' A linguagem simples é uma forma de ''gestão linguística'' fundamentada em uma ''ideologia''  de democratização, transparência e cidadania. Ela desafia a crença (ideologia) de que a linguagem formal do poder (o "juridiquês", "burocratês" ou "economês") precisa ser complexa para ser precisa ou ter autoridade (STAREC, 2007). A premissa é que o cidadão tem o direito linguístico  de entender as comunicações que afetam sua vida.


'''O Caso do Brasil:''' O Brasil tem avançado formalmente nessa política. A ''Lei Federal nº 14.690/2023'' instituiu a ''Política Nacional de Linguagem Simples'' nos órgãos da administração pública federal. Essa lei é um exemplo claro de planejamento linguístico ''top-down'' que visa modificar as práticas textuais do funcionalismo. A lei determina que a comunicação pública deve ser "ao mesmo tempo, clara, concisa, objetiva, acessível, coerente e coesa" (BRASIL, 2023).
'''O Caso do Brasil:''' O Brasil tem avançado formalmente nessa política. O Projeto de Lei n° 6256, de 2019, já aprovado pelo Congresso Nacional, instituiu a ''Política Nacional de Linguagem Simples'' nos órgãos da administração pública federal. Essa proposta é um exemplo claro de planejamento linguístico ''top-down'' que visa modificar as práticas textuais do funcionalismo. A lei determina que a comunicação pública deve ser "ao mesmo tempo, clara, concisa, objetiva, acessível, coerente e coesa".


'''Desafios de Implementação:''' Os desafios residem na implementação (como no modelo etnográfico de Hornberger ). A simples existência da lei (gestão ''de jure'') não garante a mudança das ''práticas''. É necessário um investimento maciço em ''planejamento de aquisição''  (treinamento de servidores) para superar a ''ideologia''  arraigada da complexidade como sinônimo de autoridade. A resistência burocrática e a dificuldade em definir objetivamente o que é "simples" são barreiras significativas (MARQUES, 2021).
'''Desafios de Implementação:''' Os desafios residem na implementação (como no modelo etnográfico de Hornberger ). A simples existência da lei (gestão ''de jure'') não garante a mudança das ''práticas''. É necessário um investimento maciço em ''planejamento de aquisição''  (treinamento de servidores) para superar a ''ideologia''  arraigada da complexidade como sinônimo de autoridade. A resistência burocrática e a dificuldade em definir objetivamente o que é "simples" são barreiras significativas (MARQUES, 2021).

Edição das 12h37min de 29 de outubro de 2025

O campo das Políticas Linguísticas (PL) ocupa um lugar central e estratégico na Sociolinguística contemporânea por investigar a intersecção entre língua, poder, sociedade e identidade.

Introdução

Em sua essência mais tradicional, uma política linguística pode ser definida como "o conjunto de escolhas conscientes feitas por um Estado (ou grupo social) sobre as relações entre as línguas e a vida social" (CALVET, 2002, p. 119). Contudo, essa definição inicial, fortemente centrada na ação estatal e em decisões explícitas e formalizadas, expandiu-se consideravelmente nas últimas décadas.

Autores contemporâneos, especialmente Spolsky (2004, 2009) e Shohamy (2006), argumentam que as políticas linguísticas são fenômenos muito mais amplos e multifacetados. Para Spolsky (2004), a política linguística de qualquer comunidade não se resume às declarações oficiais governamentais, mas inclui três componentes inter-relacionados e de igual importância: as práticas linguísticas reais (o que as pessoas efetivamente fazem com a linguagem no dia a dia), as crenças e ideologias linguísticas (o que as pessoas acreditam sobre as línguas e seus falantes) e a gestão linguística (os esforços explícitos e intencionais para modificar práticas ou crenças). Essa abordagem tripartite revolucionou o campo ao demonstrar que políticas linguísticas podem existir mesmo na ausência de documentos oficiais ou legislação formal, e que mesmo políticas explícitas frequentemente falham ou produzem efeitos inesperados quando não consideram as práticas e ideologias já estabelecidas nas comunidades.

Shohamy (2006), por sua vez, enfatiza as "agendas ocultas" (hidden agendas) das políticas linguísticas, argumentando que muitas vezes as políticas mais poderosas são aquelas não explicitadas em documentos oficiais, mas implementadas através de mecanismos como testes de proficiência linguística, materiais didáticos, a linguagem utilizada nos espaços públicos e a regulação do mercado linguístico. Essa perspectiva crítica nos lembra que as políticas linguísticas operam frequentemente através de mecanismos sutis e nem sempre visíveis.

Raízes Históricas do Planejamento Linguístico

Historicamente, o interesse sistemático pelo planejamento linguístico surge com a formação dos Estados-nação modernos, especialmente a partir do século XVIII, quando a unificação linguística passou a ser vista como fundamental para a coesão nacional. A célebre frase atribuída ao pensamento nacionalista do século XIX, "uma língua, uma nação", encapsula essa ideologia que marcou profundamente as políticas linguísticas modernas.

A Revolução Francesa (1789) representa um marco paradigmático nesse processo. O novo Estado republicano implementou uma política explícita e agressiva de imposição do francês padrão (baseado no dialeto da região de Paris) como língua da República, visando unificar o território e suprimir os dialetos regionais e línguas minoritárias (os patois, como bretão, occitano, alsaciano, corso, basco, entre outros), que eram vistos como resquícios do Antigo Regime e obstáculos à cidadania republicana. O Relatório do Abade Grégoire (1794), intitulado "Relatório sobre a necessidade e os meios de aniquilar os patois e universalizar o uso da língua francesa", é um documento histórico que explicita claramente essa política de homogeneização linguística associada à construção nacional (CALVET, 2002).

Da mesma forma, os processos de colonização europeia (séculos XV-XX) foram, em sua essência, gigantescos empreendimentos de política linguística, impondo as línguas metropolitanas (inglês, francês, português, espanhol, holandês) sobre vastos territórios na América, África, Ásia e Oceania, frequentemente através da proibição explícita das línguas locais, especialmente no sistema educacional e na administração colonial. As consequências dessas políticas são sentidas até hoje, com milhares de línguas indígenas e minoritárias em situação de risco ou já extintas.

A Consolidação do Campo no Século XX

No século XX, o campo das políticas e do planejamento linguístico se consolidou como área de pesquisa acadêmica. Robert L. Cooper (1989) foi fundamental ao estabelecer distinções conceituais importantes, especialmente entre "Política Linguística" (language policy - a decisão ou escolha de rumos) e "Planejamento Linguístico" (language planning - a implementação dessas decisões através de ações concretas). Cooper também propôs a célebre pergunta que sintetiza o campo: "Who plans what for whom and how?" (Quem planeja o quê, para quem e como?), destacando os atores, objetos, beneficiários e métodos do planejamento.

Os processos de descolonização na África e Ásia, na segunda metade do século XX (décadas de 1950-1970), impulsionaram enormemente o interesse pelo planejamento linguístico. Novas nações independentes precisavam tomar decisões cruciais sobre quais línguas seriam usadas na administração pública, na educação (especialmente como língua de instrução escolar), na mídia e nos tribunais. As opções eram complexas: manter a língua do ex-colonizador (por já estar estabelecida na educação superior e por facilitar relações internacionais), adotar uma língua local franca (que poderia favorecer certos grupos étnicos em detrimento de outros), implementar o multilinguismo oficial (com custos administrativos elevados), ou desenvolver novas línguas nacionais artificiais.

Casos paradigmáticos incluem:

  • Tanzânia: adoção bem-sucedida do Suaíli (kiswahili) como língua nacional, unificando o país sem favorecer nenhum grupo étnico específico, já que o suaíli era uma língua franca.
  • Índia: manutenção do inglês ao lado do hindi e reconhecimento de 22 línguas oficiais estaduais, refletindo a imensa diversidade linguística do país.
  • Argélia: processo de arabização pós-independência, tentando substituir o francês pelo árabe padrão, gerando tensões com as populações berberes (falantes de tamazight).

Perspectivas Contemporâneas

Autores mais recentes, como Bernard Spolsky (2004, 2009), Elana Shohamy (2006) e Nancy Hornberger (2006), argumentam que as políticas linguísticas não são apenas as leis explícitas e os planos governamentais formais (o planejamento de jure), mas um fenômeno muito mais amplo, complexo e multidirecional, que inclui práticas de facto, ideologias implícitas e múltiplos agentes de política linguística operando em diferentes níveis (desde famílias até organizações supranacionais).

Essa virada teórica é fundamental porque reconhece que:

  • Políticas linguísticas podem existir sem documentação formal.
  • Políticas explícitas frequentemente falham ou produzem resultados não intencionados.
  • Múltiplos atores (não apenas o Estado) participam da formulação e implementação de políticas linguísticas.
  • As práticas cotidianas e as ideologias populares têm tanto ou mais impacto que as políticas oficiais.

Principais Vertentes Teóricas

O estudo das políticas linguísticas evoluiu significativamente, de uma abordagem puramente descritiva e tecnicista (focada no que o governo faz) para modelos muito mais complexos, críticos e reflexivos (que questionam por que o faz, quem se beneficia, quem é prejudicado e o que as pessoas realmente fazem apesar ou por causa dessas políticas).

O Modelo Clássico de Cooper: A Tríade do Planejamento

Robert L. Cooper (1989) estabeleceu a tríade clássica do Planejamento Linguístico, um modelo que permanece influente e amplamente utilizado. Seu modelo foca nos tipos de intervenção linguística, distinguindo três dimensões complementares:

Planejamento de Status (Status Planning)

Refere-se às decisões sobre o status social, funcional e simbólico de uma língua em relação a outras. Envolve a seleção de uma língua (ou línguas) para funções oficiais específicas. As questões centrais incluem:

  • Qual(is) língua(s) será(ão) oficial(is)?
  • Qual língua será usada no governo, legislativo, judiciário?
  • Qual será a língua da educação em diferentes níveis?
  • Qual língua dominará a mídia nacional?
  • Que línguas serão usadas em domínios econômicos (negócios, comércio)?

Exemplos práticos:

  • A escolha do hebraico como língua oficial de Israel, ressuscitando uma língua que estava praticamente restrita ao uso litúrgico.
  • A elevação do afrikaans ao status de língua oficial na África do Sul durante o apartheid (junto com o inglês).
  • A decisão do Timor-Leste de adotar o português (língua de uma minoria educada) e o tétum (língua franca local) como línguas oficiais após a independência.
  • A cooficialização de línguas indígenas em municípios brasileiros, que será explorada em detalhe posteriormente.

O planejamento de status tem profundas implicações políticas e simbólicas, pois hierarquiza línguas e, consequentemente, seus falantes. Pode promover inclusão (quando reconhece línguas minoritárias) ou reforçar exclusão (quando impõe uma única língua em contextos multilíngues).

Planejamento de Corpus (Corpus Planning)

Foca na língua em si, em sua estrutura interna e forma. Isso inclui intervenções sobre:

  • Padronização/Codificação: Criação de gramáticas normativas, dicionários oficiais, estabelecimento de uma norma-padrão. Exemplo: as gramáticas normativas do português brasileiro.
  • Modernização/Elaboração: Criação de terminologia nova para ciência, tecnologia, administração.
  • Exemplo: o esforço islandês para criar termos islandeses para conceitos tecnológicos, evitando empréstimos do inglês (tölva = computador, de tala [número] + völva [profetisa]).
  • Reforma ortográfica: Mudanças sistemáticas na escrita. Exemplo: o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990, implementado gradualmente), a reforma ortográfica alemã (1996).
  • Criação de sistemas de escrita: Para línguas ágrafas. Exemplo: muitas línguas indígenas brasileiras que receberam sistemas de escrita através de linguistas missionários ou acadêmicos.
  • Revitalização: Recuperação de formas linguísticas em desuso. Exemplo: o movimento de recuperação do cornualês (Kernewek) na Inglaterra.

Exemplos paradigmáticos:

  • Turquia: Reforma radical da língua turca por Atatürk (1928-1932), incluindo mudança do alfabeto árabe para o latino, purificação de arabismos e criação massiva de neologismos baseados em raízes turcas.
  • Noruega: Criação do nynorsk (novo norueguês) como alternativa ao bokmål (norueguês baseado no dinamarquês), numa tentativa de desenvolver uma norma mais próxima dos dialetos rurais noruegueses.
  • Quebec: Trabalho do Office québécois de la langue française criando terminologia francesa para tecnologia e combatendo anglicismos.

O planejamento de corpus pode ser profundamente ideológico, envolvendo disputas sobre purismo linguístico, identidade nacional e resistência a influências estrangeiras.

Planejamento de Aquisição (Acquisition Planning)

Diz respeito aos esforços para disseminar e ensinar a(s) língua(s) escolhida(s), geralmente através do sistema educacional. Inclui:

  • Políticas de alfabetização: Programas de alfabetização de adultos e crianças.
  • Língua de instrução escolar: Decisão crucial sobre em que língua(s) as crianças serão ensinadas.
  • Educação bilíngue: Programas que utilizam duas ou mais línguas no ensino.
  • Ensino de segunda língua: Programas para ensinar línguas adicionais (língua oficial, línguas estrangeiras).
  • Formação de professores: Capacitação de docentes para ensinar determinadas línguas.
  • Materiais didáticos: Produção de livros, gramáticas pedagógicas, dicionários escolares.

Questões centrais:

  • As crianças devem ser alfabetizadas em sua língua materna ou na língua oficial?
  • Como implementar educação bilíngue sem criar desigualdades?
  • Que línguas estrangeiras devem ser priorizadas e em que momento da escolarização?

Exemplos:

  • País de Gales: Expansão dramática da educação bilíngue galês-inglês nas últimas décadas, contribuindo para a revitalização do galês.
  • Catalunha: Modelo de "imersão linguística" em catalão nas escolas, garantindo que todos os alunos (inclusive filhos de imigrantes castelhano-falantes) aprendam catalão.
  • Paraguai: Implementação gradual de educação bilíngue guarani-espanhol, reconhecendo que a maioria da população fala guarani.

O Modelo Abrangente de Spolsky: Práticas, Crenças e Gestão

Bernard Spolsky (2004; 2009) propôs um modelo paradigmático que revolucionou o campo, argumentando que a política linguística de qualquer comunidade (de uma família até uma nação) é composta por três componentes inter-relacionados e igualmente importantes:

Práticas Linguísticas (Language Practices)

O que os membros da comunidade realmente fazem com a linguagem no dia a dia. É o uso de facto, os padrões reais de variação, as escolhas efetivas de repertório linguístico. Inclui:

  • Quais línguas as pessoas falam em quais contextos (em casa, no trabalho, na escola, na igreja, no mercado)?
  • Como alternam entre línguas (code-switching)?
  • Quais variedades linguísticas são usadas (dialetos, registros, estilos)?
  • Quem fala com quem em que língua?

Ponto crucial: As práticas podem divergir radicalmente das políticas oficiais. Por exemplo, um país pode ter uma língua oficial, mas a população majoritariamente usar outra(s) língua(s) no cotidiano.

Crenças ou Ideologias Linguísticas (Language Beliefs/Ideologies)

O que as pessoas acreditam sobre as línguas, seus falantes e os usos linguísticos. São os valores, atitudes, estereótipos, preconceitos e pressupostos ideológicos associados a determinadas línguas, dialetos ou formas de falar. Exemplos de crenças/ideologias linguísticas:

  • "O francês é mais elegante/culto que o alemão."
  • "Falar 'errado' (usar variedades não-padrão) é sinal de ignorância ou falta de educação."
  • "O inglês é a língua do sucesso profissional e da modernidade."
  • "Línguas indígenas são 'primitivas' ou 'sem gramática'."
  • "Preservar a língua ancestral é fundamental para manter a identidade cultural."
  • "O monolinguismo é normal; o bilinguismo confunde as crianças."

Importância: Essas ideologias são cruciais porque justificam tanto as práticas quanto as intervenções de gestão. São frequentemente implícitas, naturalizadas e transmitidas através da socialização. Conceito de Ideologia Linguística: Seguindo Kroskrity (2004) e Woolard (1998), ideologias linguísticas são representações culturais, geralmente implícitas, sobre a natureza da linguagem, sua estrutura e uso. Elas medeiam entre estruturas sociais e formas de falar, servindo frequentemente para racionalizar e legitimar estruturas de poder.

Gestão ou Manejo Linguístico (Language Management)

São os esforços explícitos e intencionais, feitos por agências ou indivíduos com autoridade percebida, para modificar as práticas linguísticas ou as crenças/ideologias. Isso corresponde ao que Cooper chamava de "planejamento". Agentes de gestão incluem:

  • Estado: Através de leis, decretos, políticas educacionais.
  • Instituições educacionais: Escolas, universidades (escolha de línguas de instrução, currículos).
  • Mídia: Televisão, rádio, imprensa (escolhas sobre que línguas/variedades usar).
  • Academias de língua: Instituições que tentam regular a língua (ex: Académie Française).
  • Empresas: Políticas linguísticas corporativas, especialmente em multinacionais.
  • Famílias: Pais decidindo em que língua(s) criar os filhos.
  • Indivíduos: Auto-gestão (aulas de língua, tentativas de mudar o próprio sotaque).

Poder explicativo do modelo: O modelo de Spolsky é poderoso porque demonstra que:

  • A "gestão" oficial pode falhar completamente se entrar em conflito com práticas estabelecidas e ideologias arraigadas.
  • Mudanças nas práticas linguísticas podem ocorrer sem gestão explícita, impulsionadas por mudanças econômicas, migratórias ou tecnológicas.
  • Ideologias implícitas podem ser mais poderosas que políticas explícitas.
  • A política linguística é um processo dinâmico e multi-agente, não um decreto unidirecional.

Exemplo ilustrativo: A tentativa de imposição do irlandês (gaélico) na Irlanda pós-independência (1922) teve limitado sucesso apesar de décadas de políticas oficiais agressivas (ensino obrigatório nas escolas, requisito para funcionários públicos, incentivos econômicos) porque não conseguiu alterar suficientemente as práticas cotidianas (onde o inglês permaneceu dominante) nem superar ideologias sobre a "inutilidade" do irlandês num mundo anglófono.

Abordagens Críticas: Poder, Hegemonia e Resistência

Autores vinculados à Sociolinguística Crítica e aos Estudos Críticos de Políticas Linguísticas (Critical Language Policy), como Thomas Ricento (2000, 2006), Suresh Canagarajah (2006), Robert Phillipson (1992, 2009) e Tove Skutnabb-Kangas (2000), analisam as políticas linguísticas sob a ótica do poder, da hegemonia, da colonialidade e da globalização neoliberal.

Pressupostos Fundamentais

Essas abordagens argumentam que:

  • As políticas linguísticas não são neutras nem meramente técnicas; são ferramentas de construção, manutenção ou contestação de poder.
  • Políticas linguísticas refletem e reproduzem desigualdades sociais, econômicas, étnicas e raciais.
  • É necessário analisar "quem ganha e quem perde" com determinada política linguística.
  • Deve-se examinar as dimensões ideológicas e os interesses econômicos subjacentes às políticas.

O Imperialismo Linguístico

Robert Phillipson (1992) cunhou o termo "imperialismo linguístico" (linguistic imperialism) para descrever como a dominação de certas línguas (especialmente o inglês) serve aos interesses econômicos e políticos de países centrais, mantendo hierarquias globais. Argumenta que a promoção global do inglês:

  • Não é um processo "natural" ou inevitável, mas resultado de políticas deliberadas.
  • Cria vantagens sistemáticas para falantes nativos de inglês em mercados globais.
  • Pode marginalizar línguas locais e saberes não-ocidentais.
  • Reproduz desigualdades pós-coloniais.

Críticas ao conceito: Outros autores (Bisong, 1995; Canagarajah, 1999) argumentam que essa visão subestima η agência de falantes de inglês como segunda língua, que frequentemente se apropriam e transformam o inglês para seus próprios propósitos, desenvolvendo variedades locais (World Englishes) e usando o inglês como ferramenta de resistência e empoderamento.

Direitos Linguísticos como Direitos Humanos

Skutnabb-Kangas (2000) e outros defendem que direitos linguísticos são parte integrante dos direitos humanos. A Declaração Universal dos Direitos Linguísticos (Barcelona, 1996), embora não vinculante juridicamente, estabelece princípios como:

  • Direito de ser reconhecido como membro de uma comunidade linguística.
  • Direito ao uso da própria língua em espaços públicos e privados.
  • Direito ao ensino na língua materna.
  • Direito de acesso a serviços públicos na própria língua.

Debate: Há tensões entre direitos linguísticos individuais e coletivos, entre preservação linguística e mobilidade social, entre protecionismo linguístico e liberdade individual de escolha.

Globalização e Políticas Linguísticas

A globalização criou novos desafios e dinâmicas para políticas linguísticas:

  • Pressão pela adoção do inglês como lingua franca global, especialmente em negócios, ciência e tecnologia.
  • Migrações massivas criando novas paisagens linguísticas urbanas superdiverse (superdiversity, Vertovec, 2007).
  • Tecnologias digitais afetando uso e prestígio de línguas (exclusão digital linguística).
  • Corporações multinacionais implementando políticas linguísticas corporativas que transcendem fronteiras nacionais.

Canagarajah (2006) propõe uma agenda "pós-colonial" e de "descolonização" para políticas linguísticas, que:

  • Reconheça e valorize práticas translíngues e multilíngues híbridas.
  • Desafie hierarquias linguísticas coloniais.
  • Centre conhecimentos e epistemologias locais.
  • Promova diversidade linguística como riqueza, não problema.

A Virada Etnográfica: Políticas Linguísticas de facto

Nancy Hornberger (2006), Teresa McCarty (2011) e outros desenvolveram abordagens etnográficas para o estudo de políticas linguísticas, focando em:

  • Como políticas são interpretadas, negociadas e implementadas no nível local (escolas, comunidades).
  • As diferenças entre políticas oficiais e práticas cotidianas (policy vs. practice).
  • Como atores locais (professores, pais, alunos) têm agência para interpretar, adaptar, subverter ou resistir a políticas oficiais.

Essa perspectiva demonstra que políticas linguísticas são processos multi-escalares e multidirecionais, envolvendo interações complexas entre diferentes níveis (supranacional, nacional, regional, local, familiar, individual) e entre diferentes tipos de políticas (explícitas/implícitas, top-down / bottom-up).

Aplicações e Análise de Casos

A teoria das políticas linguísticas ganha vida, relevância e complexidade quando aplicada a contextos reais e concretos, onde as tensões entre ideologias, práticas e gestão tornam-se evidentes, e onde os resultados frequentemente divergem das intenções originais dos planejadores.

O Caso Brasileiro: Entre o Mito Monolíngue e a Realidade Multilíngue

A Ideologia do Monolinguismo

O Brasil representa um caso paradigmático e fascinante de política linguística. A ideologia dominante no Brasil é, sem dúvida, a do monolinguismo em língua portuguesa, uma crença profundamente arraigada e fundamental para a construção histórica da unidade nacional brasileira (OLIVEIRA, 2006; CAVALCANTI, 1999). Essa ideologia permeia o imaginário popular, a educação, a mídia e até mesmo muitos discursos políticos e acadêmicos. Essa ideologia monolíngue foi construída historicamente através de:

  • Proibição de outras línguas em diversos momentos históricos (ex: proibição do tupi no século XVIII por Marquês de Pombal; repressão a línguas de imigração durante o Estado Novo na década de 1940, especialmente alemão, italiano e japonês em áreas de colonização).
  • Sistema educacional exclusivamente em português (até recentemente).
  • Mídia nacional operando quase exclusivamente em português.
  • Narrativa nacional de "país unido pela língua", em contraste com países vizinhos hispano-americanos ou com a diversidade linguística de países como Índia ou Nigéria.

No modelo de Spolsky, essa é claramente uma crença/ideologia linguística poderosa, que funciona como discurso legitimador do Estado-nação.

A Prática Multilíngue

No entanto, as práticas linguísticas reais no Brasil revelam um profundo e rico multilinguismo, frequentemente invisibilizado ou marginalizado: Línguas Indígenas:

  • O Censo 2010 registrou 274 línguas indígenas faladas por aproximadamente 896 mil pessoas.
  • Estimativas linguísticas mais recentes indicam entre 150-180 línguas indígenas ainda vivas (considerando questões de definição e classificação).
  • Comparado com cerca de 1.000-1.200 línguas estimadas para o Brasil pré-colonial (há 500 anos), isso representa uma perda linguística catastrófica de aproximadamente 85% das línguas.
  • Muitas dessas línguas estão seriamente ameaçadas, com poucos falantes (frequentemente apenas idosos) e transmissão intergeracional interrompida.

Línguas de Imigração:

  • Comunidades de descendentes de imigrantes mantêm línguas de herança: alemão (Hunsrückisch, Pomerano), italiano (Talian, Vêneto), japonês, polonês, ucraniano, árabe, entre outras.
  • Muitas dessas línguas estão em processo de obsolescência, mas algumas comunidades mantêm uso ativo (especialmente em áreas rurais de imigração concentrada no Sul do Brasil).

Línguas de Fronteira:

  • Portuñol/Portunhol: variedades de contato português-espanhol em regiões fronteiriças com países hispano-americanos.
  • Francês guianense na fronteira com a Guiana Francesa.

Línguas de Sinais:

  • Libras (Língua Brasileira de Sinais) é a língua da comunidade surda brasileira, com centenas de milhares de usuários.
  • Outras línguas de sinais minoritárias existem em comunidades específicas (ex: LSKB - Língua de Sinais Kaapor Brasileira, usada pelos indígenas Urubu-Kaapor).

Variedades Afro-brasileiras:

  • Comunidades quilombolas mantêm variedades linguísticas específicas com influências de línguas africanas (ex: comunidade de Cafundó, SP).

Esse multilinguismo de facto contrasta fortemente com a ideologia monolíngue e com as políticas oficiais que, até recentemente, reconheciam apenas o português.

O Caso de Libras: Planejamento de Status e Aquisição

A Lei nº 10.436/2002 representa um marco histórico nas políticas linguísticas brasileiras. Promulgada em 24 de abril de 2002, ela reconheceu oficialmente a Língua Brasileira de Sinais (Libras) como meio legal de comunicação e expressão. Planejamento de Status:

  • A lei elevou o status da Libras, tirando-a da invisibilidade e reconhecendo-a como sistema linguístico legítimo (não mera "linguagem de gestos" ou "mímica").
  • Garantiu seu uso em serviços públicos e no sistema educacional.
  • Representou vitória importante das lutas da comunidade surda brasileira por reconhecimento e direitos.

Planejamento de Aquisição: O Decreto 5.626/2005, que regulamentou a Lei de Libras, avançou significativamente no planejamento de aquisição:

  • Tornou obrigatória a disciplina de Libras em cursos de formação de professores (Pedagogia e Licenciaturas) e no curso de Fonoaudiologia.
  • Estabeleceu a formação de tradutores/intérpretes de Libras.
  • Criou o curso de graduação em Letras-Libras (licenciatura e bacharelado).
  • Determinou a presença de intérpretes em instituições de ensino.
  • Estabeleceu prazos para acessibilidade em Libras em serviços públicos e concursos.

Planejamento de Corpus:

  • Desenvolvimento de materiais didáticos em Libras.
  • Criação de dicionários e glossários especializados.
  • Padronização (relativa) de sinais regionais.
  • Desenvolvimento de escrita de sinais (SignWriting, embora com uso limitado).

Desafios e Limitações:

  • Formação insuficiente de intérpretes para atender a demanda.
  • Qualidade variável da interpretação e do ensino de Libras.
  • Resistências em implementar plenamente a legislação.
  • Tensões entre modelos educacionais (educação bilíngue Libras-Português vs. inclusão em escolas regulares com intérprete).
  • Práticas ainda não refletem plenamente as políticas oficiais: muitos surdos ainda enfrentam barreiras significativas de comunicação e acesso.

Análise pelo modelo de Spolsky:

  • Gestão: Forte, com legislação clara e progressiva.
  • Ideologias: Mudando gradualmente, mas ainda há muito preconceito linguístico contra Libras e visões "oralistas" que a veem como inferior à língua oral.
  • Práticas: Melhorando, mas ainda insuficientes; a implementação completa das políticas permanece um desafio.

Cooficialização de Línguas Indígenas

Em 2002, o município de São Gabriel da Cachoeira, no estado do Amazonas, tornou-se pioneiro ao cooficializar três línguas indígenas ao lado do português: Nheengatu (língua geral amazônica, de base tupi), Tukano e Baniwa, através da Lei Municipal nº 145/2002. Contexto sociolinguístico:

  • São Gabriel da Cachoeira tem população majoritariamente indígena (aproximadamente 90%).
  • Cerca de 23 etnias indígenas na região, falando línguas de diferentes famílias.
  • As três línguas cooficializadas são as línguas francas mais utilizadas.

Objetivos da política:

  • Reconhecimento oficial da realidade multilíngue do município.
  • Valorização das línguas e culturas indígenas.
  • Garantia de serviços públicos nas línguas cooficiais.
  • Educação bilíngue/multilíngue nas escolas.
  • Combate à discriminação linguística.

Implementação (Planejamento de Status e Aquisição):

  • Uso das línguas indígenas na câmara municipal e em documentos oficiais.
  • Placas e sinalizações públicas multilíngues.
  • Educação escolar indígena bilíngue/multilíngue (embora com desafios de formação de professores e materiais didáticos).
  • Formação de professores indígenas.
  • Concursos públicos com valorização do conhecimento das línguas indígenas.

Outros municípios que seguiram o exemplo:

  • Tacuru (MS): Cooficializou o Guarani (2010).
  • Bonfim (RR): Cooficializou Macuxi e Wapichana (2014).
  • Diversos municípios no Tocantins, Amazonas, Acre e Roraima têm processos semelhantes em diferentes estágios.

Desafios e Limitações:

  • Recursos limitados para implementação efetiva (formação, materiais, tradução).
  • Capacitação insuficiente de servidores públicos nas línguas cooficiais.
  • Tensão entre políticas municipais progressivas e políticas estaduais/federais ainda centradas no português.
  • Práticas administrativas ainda dominadas pelo português na maioria dos contextos.
  • Questão demográfica: Escolher 3-4 línguas quando há 20+ línguas na região cria novas hierarquias.

Análise crítica: Essa política desafia diretamente a ideologia nacional do monolinguismo (modelo de Spolsky) e tenta aproximar a gestão às práticas linguísticas efetivas da população. Representa avanço significativo no reconhecimento de direitos linguísticos, mas a implementação plena permanece desafiadora devido a recursos limitados e ao peso das ideologias dominantes. Pelo modelo de Cooper, trata-se principalmente de planejamento de status (reconhecimento oficial), com elementos de planejamento de aquisição (educação). O planejamento de corpus (padronização, materiais) está em desenvolvimento, mas enfrenta desafios dada a diversidade dialetal e a tradição predominantemente oral de muitas dessas línguas.

Línguas de Imigração: O Pomerano no Espírito Santo

O Pomerano (Pommersch), língua germânica falada por descendentes de imigrantes da Pomerânia (região histórica que hoje está dividida entre Alemanha e Polônia), representa outro caso interessante. Em 2009, o estado do Espírito Santo reconheceu o Pomerano como patrimônio cultural através da Lei Estadual 9.574/2009. Municípios como Santa Maria de Jetibá, Pancas e Vila Pavão, onde a maioria da população fala Pomerano, implementaram políticas de:

  • Educação bilíngue (Pomerano-Português).
  • Documentação e padronização da língua (que era tradicionalmente apenas oral).
  • Valorização cultural através de festivais e mídia local.

Análise:

  • Exemplo de política linguística bottom-up (de baixo para cima), iniciada por comunidades e municípios antes de reconhecimento estadual.
  • Desafia a ideologia de que apenas línguas indígenas merecem proteção, reconhecendo também línguas de imigração como patrimônio.
  • Envolve intenso planejamento de corpus (criação de ortografia padronizada, gramáticas, dicionários) para língua tradicionalmente oral.

O Inventário Nacional da Diversidade Linguística (INDL)

Em 2010, o Decreto Federal 7.387 instituiu o Inventário Nacional da Diversidade Linguística (INDL), instrumento oficial de identificação, documentação e reconhecimento de línguas como patrimônio cultural brasileiro. Línguas já reconhecidas no INDL incluem:

  • Talian (vêneto brasileiro) - 2014
  • Asurini do Trocará - 2014
  • Asuriní do Xingu - 2016
  • Guarani Mbya - 2016
  • Talian (reafirmação) - 2019
  • Várias outras em processo

Significado:

  • Reconhecimento oficial da diversidade linguística brasileira além do português.
  • Rompimento parcial com ideologia monolíngue.
  • Instrumento de planejamento de status, conferindo reconhecimento simbólico.
  • Base para possíveis políticas de revitalização e documentação.

Limitações:

  • Reconhecimento é principalmente simbólico, sem garantias automáticas de financiamento ou serviços públicos.
  • Processo de inclusão no INDL é lento e burocrático.
  • Falta de recursos para documentação e revitalização efetivas.

O Canadá: Bilinguismo Oficial e Conflito Linguístico

O Canadá oferece um dos casos mais estudados e complexos de política linguística oficial de bilinguismo nacional, marcado por tensões históricas e regionais profundas.

Contexto Histórico

O Canadá foi formado por duas principais correntes colonizadoras europeias:

  • Franceses: Estabelecidos principalmente no Quebec desde o século XVII (Nova França, 1534-1763).
  • Britânicos: Dominaram o território após a conquista da Nova França (1763), estabelecendo-se principalmente no resto do Canadá.

O Ato de Quebec (1774) e posteriormente o Ato da América do Norte Britânica (1867), que criou a confederação canadense, garantiram certos direitos à população francófona, especialmente no Quebec.

A Política de Bilinguismo Oficial (1969)

Em resposta a tensões crescentes e ao movimento separatista quebequense (especialmente a "Revolução Tranquila" dos anos 1960), o governo federal canadense, sob o primeiro-ministro Pierre Elliott Trudeau, implementou η Lei de Línguas Oficiais (Official Languages Act) em 1969. Princípios fundamentais:

  • Inglês e francês são línguas oficiais iguais no nível federal.
  • Direito de cidadãos receberem serviços federais em qualquer das línguas oficiais.
  • Funcionários públicos federais devem poder trabalhar em qualquer das duas línguas.
  • Promoção de bilinguismo individual e institucional.

Planejamento de Status:

  • Igualdade formal das duas línguas em instituições federais (parlamento, tribunais, serviços públicos).
  • Rotulagem bilíngue obrigatória de produtos.

Planejamento de Aquisição:

  • Programas de imersão francesa em províncias anglófonas (com grande sucesso em criar bilíngues inglês-francês).
  • Ensino obrigatório do francês como segunda língua em escolas anglófonas (com eficácia variável).
  • Incentivos para funcionários públicos aprenderem a segunda língua oficial.

A Resposta do Quebec: A Carta da Língua Francesa (Lei 101)

Apesar do bilinguismo federal, o Quebec, com maioria francófona mas sob pressão linguística do inglês (dominante na América do Norte e no resto do Canadá), adotou políticas próprias e mais assertivas. A Carta da Língua Francesa (Charte de la langue française), conhecida como Lei 101, promulgada em 1977 pelo governo de René Lévesque, é um dos exemplos mais robustos e abrangentes de planejamento linguístico no mundo ocidental. Principais disposições: Planejamento de Status Agressivo:

  • Francês como única língua oficial do Quebec (não bilinguismo, mas francês como língua prioritária).
  • Francês obrigatório em:
  • Administração pública provincial e municipal
  • Legislação (leis escritas em francês têm precedência)
  • Tribunais (embora inglês seja permitido)
  • Sinalizações públicas (outdoor, placas de trânsito, nomes de estabelecimentos comerciais) devem ser em francês ou com francês predominante
  • Negócios: Empresas com mais de 50 funcionários devem obter "certificado de francização", demonstrando que o francês é língua de trabalho

Planejamento de Aquisição:

  • Educação: Crianças devem frequentar escola francesa, exceto se:
  • Um dos pais frequentou escola inglesa no Quebec (cláusula controversa)
  • A criança já estudava em inglês antes da lei

Esta disposição, inicialmente mais restritiva ("Cláusula Quebec"), foi parcialmente modificada por decisões judiciais para a atual "Cláusula Canadá"

  • Objetivo: Garantir que imigrantes e filhos de francófonos sejam escolarizados em francês, reforçando o francês como língua comum do Quebec

Planejamento de Corpus:

  • Office québécois de la langue française (OQLF): Agência governamental responsável por:
  • Terminologia: Criação sistemática de termos franceses para novas tecnologias, ciências, negócios
  • Normalização: Padronização do francês quebequense
  • Combate a anglicismos: Promoção de alternativas francesas (ex: courriel em vez de email; baladodiffusion em vez de podcast)
  • Fiscalização: Inspeção de conformidade de estabelecimentos comerciais com requisitos linguísticos

Resultados e Impactos: Positivos (da perspectiva francófona):

  • Reversão do declínio do francês em Montreal e no Quebec urbano.
  • Francês tornou-se efetivamente língua de trabalho na maioria dos setores econômicos.
  • Integração de imigrantes ao francês (anteriormente, imigrantes tendiam a integrar-se à comunidade anglófona).
  • Fortalecimento da economia em francês: Criação de uma burguesia francófona e empresas francófonas competitivas.
  • Revitalização cultural francófona (música, cinema, literatura quebequense).

Controversos/Negativos:

  • Êxodo de empresas e população anglófona de Montreal para Toronto (especialmente nos anos 1970-80).
  • Tensões intercomunitárias: Ressentimento de minorias anglófona e alófona (imigrantes) que sentem direitos limitados.
  • Casos controversos: "Pastagate" (2013) - OQLF exigiu que restaurante italiano mudasse termos italianos como "pasta" no menu.
  • Liberdade de expressão: Restrições a línguas em sinalizações comerciais vistas por alguns como violação de liberdades.
  • Eficácia questionada: Críticos argumentam que políticas excessivamente restritivas podem ser contraproducentes na era digital e global.

Modificações recentes:

  • Lei 96 (2022): Reforma e fortalecimento da Lei 101, ampliando requisitos de francês em educação superior (CEGEPs - colleges), empresas menores e prestadores de serviços, em resposta a percepções de novo declínio do francês.

Análise pelo Modelo de Spolsky

No Quebec:

  • Ideologia: Forte ideologia de sobrevivência linguística e cultural ("le fait français"), percepção de ameaça existencial do inglês.
  • Práticas: Mudaram significativamente desde 1977; francês é hoje claramente língua dominante no espaço público quebequense.
  • Gestão: Extremamente forte, proativa e abrangente, tentando moldar tanto práticas quanto ideologias.

No resto do Canadá:

  • Ideologia: Mista - aceitação formal do bilinguismo, mas práticas cotidianas anglófonas dominam;
  • francês visto por muitos como língua de "serviços" ou "escola", não da vida real.
  • Práticas: Predominantemente anglófonas fora do Quebec e de algumas comunidades francófonas minoritárias (Acadianos em New Brunswick, Franco-Ontarianos, Franco-Manitobanos).
  • Gestão: Bilinguismo institucional federal, mas com eficácia limitada em mudar práticas cotidianas.

Tensão fundamental: O Canadá demonstra a complexidade de implementar políticas linguísticas em contextos de diversidade, mostrando que mesmo com recursos substanciais e legislação forte, mudanças nas práticas linguísticas são lentas e encontram resistências ideológicas. Também mostra tensões entre políticas linguísticas de diferentes níveis governamentais (federal vs. provincial).

O Caso da Turquia: Modernização, Homogeneização e Conflito

A política linguística da Turquia moderna, fundada por Mustafa Kemal Atatürk em 1923, representa um dos casos mais radicais e deliberados de engenharia linguística do século XX, servindo como um exemplo paradigmático de planejamento linguístico top-down (de cima para baixo) intrinsecamente ligado à construção de um novo Estado-nação (LEWIS, 1999).

Contexto e Ideologia: Com o colapso do Império Otomano, Atatürk buscou modernizar, secularizar e ocidentalizar a Turquia. A língua foi vista como ferramenta central. A ideologia (no sentido de Spolsky ) era romper com o passado otomano, islâmico e multiétnico. O turco otomano, escrito em alfabeto árabe e repleto de empréstimos do árabe e do persa, era visto como decadente, elitista e inadequado para uma nação moderna. A nova política visava criar uma língua "pura", "científica" e alinhada à identidade nacional turca (LANDAU, 1984).

Planejamento de Corpus (A Ação Principal): A reforma turca foi predominantemente uma intervenção massiva no corpus da língua:

Reforma do Alfabeto (1928): Em uma ação drástica, o alfabeto árabe foi banido e substituído por um novo alfabeto latino adaptado ao turco. Esta foi uma decisão de status (para o novo alfabeto) e corpus (mudança da grafia) implementada em poucos meses.

Purificação Linguística (Öztürkçe): Em 1932, foi fundada a Associação da Língua Turca (Türk Dil Kurumu - TDK) com a missão de "purificar" a língua, substituindo milhares de empréstimos árabes e persas por palavras de origem turca (revividas de textos antigos, dialetos ou neologismos). Em fases posteriores, essa política atingiu extremos, como a Güneş Dil Teorisi (Teoria da Língua Sol), uma pseudoteoria que alegava que todas as línguas do mundo derivavam do turco, justificando assim a manutenção de alguns empréstimos (LEWIS, 1999).

Planejamento de Aquisição: A implementação foi assegurada por um massivo planejamento de aquisição. As "Escolas da Nação" (Millet Mektepleri) foram criadas para ensinar o novo alfabeto a toda a população, tornando o aprendizado compulsório e aumentando drasticamente a alfabetização (LANDAU, 1984).

Planejamento de Status e Conflito: Enquanto o novo turco padronizado era elevado, a política de homogeneização nacional levou a uma supressão agressiva de todas as outras línguas faladas no território, notadamente o curdo, o armênio e o grego. O curdo, falado por uma minoria significativa, foi banido da educação, da mídia e do espaço público por décadas. Esta política de status (ou negação de status) é a raiz de profundos conflitos políticos e identitários que persistem até hoje, demonstrando como o planejamento linguístico pode ser uma ferramenta de assimilação forçada e exclusão (SALLAN, 2018).

O Caso da China: Unificação Nacional e Gestão da Diversidade =

A República Popular da China (RPC) apresenta um caso complexo de política linguística que visa equilibrar duas metas: a promoção de uma língua nacional unificada para coesão e desenvolvimento (Putonghua) e a gestão (ou controle) de uma imensa diversidade linguística, tanto das variedades Han (como o cantonês) quanto das línguas de minorias étnicas (como o tibetano e o uigur) (ZHOU, 2003).

Contexto Sociolinguístico: A China é um dos países linguisticamente mais diversos do mundo. Além das 55 minorias étnicas reconhecidas, a maioria Han fala variedades mutuamente ininteligíveis (como mandarim, wu/xangainês, min/hokkien e yue/cantonês), que são classificadas pelo Estado como "dialetos" (fāngyán) por razões ideológicas, embora linguisticamente sejam línguas distintas.

Gestão e Planejamento (Cooper e Spolsky ): A política linguística chinesa pós-1949 opera em três eixos principais:


Planejamento de Status: O Putonghua (Língua Comum)

O Putonghua, baseado na pronúncia de Pequim e na gramática do mandarim moderno, foi estabelecido como a língua nacional oficial (guójiā tōngyòng yŭwén). Seu status é de língua franca obrigatória para administração, educação nacional e mídia. A ideologia subjacente é que a unidade nacional e a modernização econômica dependem de uma única língua comum (FENG, 2016).

As línguas minoritárias têm status oficial regional em suas respectivas áreas autônomas, mas o Putonghua é crescentemente promovido como língua primária de instrução, gerando tensões.

Planejamento de Corpus: Simplificação e Padronização

Caracteres Simplificados: Nas décadas de 1950 e 1960, a RPC implementou uma reforma massiva do corpus ao simplificar milhares de caracteres chineses tradicionais, visando facilitar a alfabetização em massa.

Pinyin: Foi criado (1958) um sistema de romanização (Hanyu Pinyin) para padronizar a pronúncia do Putonghua e servir como ferramenta pedagógica.

Planejamento de Aquisição: Promoção Agressiva

O planejamento de aquisição é o motor da política. O Putonghua é mandatório em todo o sistema educacional. Campanhas nacionais (Tui Pu) promovem ativamente seu uso em detrimento das variedades locais ("dialetos"), que são frequentemente proibidos ou desencorajados nas escolas (ZHOU, 2003).

Desafios e Tensões:

Variedades Han (ex: Cantonês): Há uma tensão crescente entre a promoção do Putonghua e a vitalidade de outras variedades Han, como o cantonês em Guangdong e Hong Kong, que possui um forte prestígio cultural e econômico. A população local vê a imposição do Putonghua como uma ameaça à sua identidade cultural (BLACHFORD, 2019).

Línguas Minoritárias (ex: Uigur e Tibetano): Em regiões como Xinjiang e Tibete, as políticas de aquisição têm se tornado mais assimilacionistas, com a redução drástica do ensino nas línguas locais em favor do Putonghua. Abordagens críticas analisam essa política como uma ferramenta de controle estatal e assimilação cultural forçada, gerando forte resistência e acusações de violação de direitos linguísticos (FENG, 2016).

Outros Casos Internacionais Relevantes

País de Gales: Revitalização Linguística Bem-Sucedida

O galês (Cymraeg), língua céltica do País de Gales (parte do Reino Unido), estava em declínio dramático durante o século XX:

  • 1901: 50% da população falava galês
  • 1991: Apenas 18,7% falavam galês
  • 2011: 19% (indicando início de reversão)
  • 2021: 17,8% (com declínio atribuído parcialmente a migração)

Políticas de Revitalização:

  • 1993: Welsh Language Act concedeu ao galês status oficial ao lado do inglês no País de Gales.
  • 2011: Welsh Language (Wales) Measure fortaleceu direitos linguísticos:
  • Galês tem status oficial igual ao inglês
  • Serviços públicos devem estar disponíveis em galês
  • Criação do Comissário da Língua Galesa para supervisionar implementação

Educação Bilíngue:

  • Expansão dramática de escolas de imersão em galês (ysgolion Cymraeg)
  • Em 2020, cerca de 22% dos alunos do primário estavam em educação de médio galês ou bilíngue
  • Objetivo governamental: 1 milhão de falantes de galês até 2050

Mídia:

  • S4C: Canal de TV inteiramente em galês (desde 1982)
  • BBC Radio Cymru: Rádio em galês
  • Presença crescente em mídia digital e redes sociais

Resultados:

  • Estabilização e início de reversão do declínio
  • Galês tornou-se língua "cool" entre jovens em muitas áreas
  • Maior presença em espaço público, mídia, cultura popular
  • Práticas mudando gradualmente, especialmente entre jovens educados em galês

Fatores de sucesso:

  • Investimento sustentado em educação bilíngue
  • Apoio político consistente através de governos sucessivos
  • Mídia em galês atraente e moderna
  • Mudança ideológica: Galês passou de língua "rural e arcaica" a símbolo moderno de identidade galesa
  • Tecnologia: Presença em plataformas digitais (Google, Microsoft, redes sociais em galês)

Singapura: Multilinguismo Planejado

Singapura é frequentemente citada como exemplo de planejamento linguístico pragmático pós-colonial. Contexto:

  • Cidade-Estado multiétnica: Chineses (75%), Malaios (15%), Indianos (7,5%), outros
  • Ex-colônia britânica (independência 1965)

Política Linguística:

  • Quatro línguas oficiais: Inglês, Mandarim, Malaio, Tamil
  • Inglês como lingua franca e língua de administração, educação superior, negócios (língua "neutra", não favorecendo nenhum grupo étnico)
  • Língua materna (mother tongue): Cada aluno deve estudar inglês + uma "língua materna" (Mandarim para chineses, Malaio para malaios, Tamil para indianos)

Objetivo:

  • Bilinguismo universal: Todos devem ser bilíngues em inglês + língua étnica
  • Inglês para sucesso econômico e unidade nacional
  • Línguas étnicas para identidade cultural e valores

Planejamento de Corpus:

  • Campanhas de "fala mandarim" (Speak Mandarin Campaign, desde 1979): Desencorajar dialetos chineses (Hokkien, Cantonês, Teochew) em favor do Mandarim padrão
  • Promoção de "bom inglês" contra Singlish (inglês coloquial de Singapura)

Resultados:

  • Declínio drástico de dialetos chineses (quase extintos entre jovens)
  • Inglês tornou-se língua dominante, inclusive em casa para muitas famílias
  • Mandarim fortaleceu-se entre população chinesa
  • Singlish persiste como vernáculo popular, apesar de campanhas oficiais
  • Tensão entre pragmatismo econômico (inglês) e preservação cultural (línguas maternas)

Críticas:

  • Perda de diversidade linguística (dialetos chineses)
  • "Shift" linguístico: Muitas famílias hoje falam inglês em casa, questionando a eficácia da política de "língua materna"
  • Modelo top-down autoritário, sem participação comunitária
  • Hierarquização de facto (inglês > outras línguas)

Análise: Singapura demonstra que planejamento linguístico pode ter sucesso em moldar práticas (inglês amplamente falado, dialetos praticamente eliminados), mas também que pode ter consequências não intencionadas (perda de diversidade, shift para o inglês além do planejado) e que práticas populares (Singlish) podem resistir a gestão oficial.

Ruanda: Mudança Radical de Política Linguística

Ruanda oferece um caso de mudança dramática recente em política linguística. Histórico colonial:

  • Colônia belga (1916-1962)
  • Línguas coloniais: Francês (elite) e Kirundi (população)
  • Francês como língua de educação superior e administração

Após genocídio (1994):

  • Novo governo liderado por Paul Kagame (tutsis retornados de Uganda, muitos anglófonos)
  • Tensão com França (acusada de cumplicidade no genocídio)

Mudança política (2008-2009):

  • Inglês substituiu francês como língua de instrução em escolas
  • Inglês tornou-se língua oficial ao lado de Kinyarwanda e francês
  • Swahili adicionado como língua oficial em 2017

Motivações:

  • Políticas: Distanciamento da França; aproximação com África Oriental (Comunidade dos Países da África Oriental - EAC, anglófona)
  • Econômicas: Inglês visto como língua de negócios e tecnologia global
  • Identidade: Construção de nova identidade pós-genocídio

Implementação:

  • Formação massiva (e apressada) de professores em inglês
  • Importação de professores de países anglófonos
  • Materiais didáticos em inglês

Desafios:

  • Professores mal preparados (muitos não dominavam inglês)
  • Qualidade educacional caiu inicialmente
  • Resistências: Principalmente de geração educada em francês
  • Práticas: Maioria da população ainda fala primariamente Kinyarwanda; inglês e francês permanecem línguas de elite

Análise: Caso demonstra que mudanças radicais em política linguística podem ser impostas rapidamente por governos autoritários, mas que implementação efetiva enfrenta enormes desafios práticos e que práticas cotidianas mudam muito mais lentamente que políticas oficiais.

Desafios Contemporâneos em Políticas Linguísticas

Linguagem Simples (Plain Language)

Um desafio contemporâneo crescente no âmbito das políticas linguísticas é o movimento pela Linguagem Simples (Plain Language). Trata-se de uma política linguística explícita que visa alterar as práticas de comunicação (especialmente do Estado e de corporações) para torná-las claras, concisas e compreensíveis ao público-alvo (MARQUES, 2021).

Diferente de reformas ortográficas (corpus) ou promoção de línguas (status), a linguagem simples é uma intervenção direta na prática e no registro burocrático, focando na sintaxe, no léxico e no design da informação.

Ideologia e Gestão: A linguagem simples é uma forma de gestão linguística fundamentada em uma ideologia de democratização, transparência e cidadania. Ela desafia a crença (ideologia) de que a linguagem formal do poder (o "juridiquês", "burocratês" ou "economês") precisa ser complexa para ser precisa ou ter autoridade (STAREC, 2007). A premissa é que o cidadão tem o direito linguístico de entender as comunicações que afetam sua vida.

O Caso do Brasil: O Brasil tem avançado formalmente nessa política. O Projeto de Lei n° 6256, de 2019, já aprovado pelo Congresso Nacional, instituiu a Política Nacional de Linguagem Simples nos órgãos da administração pública federal. Essa proposta é um exemplo claro de planejamento linguístico top-down que visa modificar as práticas textuais do funcionalismo. A lei determina que a comunicação pública deve ser "ao mesmo tempo, clara, concisa, objetiva, acessível, coerente e coesa".

Desafios de Implementação: Os desafios residem na implementação (como no modelo etnográfico de Hornberger ). A simples existência da lei (gestão de jure) não garante a mudança das práticas. É necessário um investimento maciço em planejamento de aquisição (treinamento de servidores) para superar a ideologia arraigada da complexidade como sinônimo de autoridade. A resistência burocrática e a dificuldade em definir objetivamente o que é "simples" são barreiras significativas (MARQUES, 2021).

Globalização e Hegemonia do Inglês

A globalização criou pressões sem precedentes sobre políticas linguísticas nacionais. O inglês consolidou-se como lingua franca global em ciência, tecnologia, negócios, aviação, internet, cultura popular. Debates:

  • Imperialismo linguístico (Phillipson): Inglês como ferramenta de dominação?
  • World Englishes: Apropriações e variedades locais de inglês (Kachru, 1992)
  • English as a Lingua Franca (ELF): Inglês falado por não-nativos como ferramenta neutra de comunicação internacional?

Dilemas para países não-anglófonos:

  • Como promover competência em inglês (necessária economicamente) sem marginalizar língua(s) nacional(is)?
  • Como equilibrar ensino de inglês com ensino da língua materna?
  • Risco de "linguicídio" (Skutnabb-Kangas): Morte de línguas sob pressão do inglês?

Tecnologia Digital e Políticas Linguísticas

Tecnologias digitais criam novos desafios e oportunidades: Desafios:

  • Exclusão digital linguística: Muitas línguas não têm presença significativa online, em softwares, em interfaces
  • Dominância de poucas línguas: Inglês, chinês, espanhol, árabe, português dominam internet
  • IA e Tradução Automática: Concentram-se em línguas com grandes corpus digitais
  • Teclados e fontes: Línguas com sistemas de escrita não-latinos enfrentam barreiras técnicas

Oportunidades:

  • Documentação: Tecnologias digitais facilitam documentação de línguas ameaçadas
  • Revitalização: Aplicativos, cursos online, redes sociais em línguas minoritárias
  • Comunidades virtuais: Falantes dispersos de línguas minoritárias podem conectar-se
  • Recursos educacionais: Criação de materiais didáticos digitais mais baratos que impressos

Exemplos:

  • Google Translate: Expandiu para línguas minoritárias, mas com qualidade variável
  • Duolingo: Oferece cursos em línguas indígenas (Guarani, Navajo, Havaiano)
  • Aplicativos de revitalização: Apps para aprender línguas ameaçadas desenvolvidos por comunidades

Migração e Superdiversidade

Migrações contemporâneas criam paisagens linguísticas urbanas de "superdiversidade" (Vertovec, 2007), com dezenas ou centenas de línguas faladas em uma única cidade. Desafios para políticas linguísticas:

  • Como integrar linguisticamente imigrantes?
  • Que papel para línguas de herança de imigrantes?
  • Como lidar com múltiplas línguas minoritárias em escolas?

Tensões entre integração (aprender língua do país receptor) e direitos linguísticos (manter língua de origem) Modelos educacionais:

  • Assimilação: Imersão completa na língua do país receptor (modelo tradicional EUA, França)
  • Educação bilíngue de transição: Uso temporário de língua materna para facilitar aprendizado de língua dominante
  • Educação bilíngue de manutenção: Desenvolvimento de ambas as línguas (modelo menos comum, mais recursos-intensivo)

Exemplos:

  • Alemanha: Debate sobre ensino de alemão para refugiados sírios vs. recursos para educação em árabe
  • Austrália: Programas comunitários de ensino de línguas de herança (chinês, árabe, grego, italiano, vietnamita)

Direitos Linguísticos Indígenas

Movimento global de reconhecimento de direitos indígenas inclui centralmente direitos linguísticos. Instrumentos internacionais:

  • Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas (2007): Artigos garantindo direitos linguísticos e culturais
  • Convenção 169 da OIT (1989): Direitos indígenas incluindo educação bilíngue

Desafios:

  • Muitas línguas indígenas estão severamente ameaçadas ou moribundas
  • Transmissão intergeracional interrompida em muitas comunidades
  • Recursos insuficientes para documentação, revitalização e educação
  • Tensão entre aspirações modernizadoras e preservação cultural dentro de comunidades indígenas

Estratégias de revitalização:

  • Programas de ninhos de língua (language nests): Imersão para crianças pequenas
  • Mestre-aprendiz: Pares de falantes anciãos e jovens aprendizes
  • Educação bilíngue em escolas comunitárias
  • Documentação: Gravações, dicionários, gramáticas para futuras gerações

Exemplos:

  • Maori (Nova Zelândia): Kōhanga Reo (ninhos de língua) desde 1982; revitalização parcialmente bem-sucedida
  • Havaiano: Imersão escolar (Pūnana Leo); língua cresceu de ~2.000 falantes para ~24.000
  • Brasil: Escolas indígenas bilíngues; formação de professores indígenas; mas recursos ainda insuficientes

Políticas Linguísticas Corporativas

Empresas multinacionais implementam políticas linguísticas próprias que transcendem fronteiras nacionais:

  • Escolha de língua(s) corporativa(s) (frequentemente inglês)
  • Políticas de recrutamento baseadas em competência linguística
  • Treinamento linguístico de funcionários
  • Comunicação interna e externa em múltiplas línguas

Impactos:

  • Mercado linguístico: Certas competências linguísticas valorizam-se economicamente
  • Desigualdades: Falantes nativos de inglês têm vantagens injustas?
  • Identidade profissional: Tensões entre línguas corporativas e línguas nacionais/locais

Conclusão

O estudo das Políticas Linguísticas revela que a linguagem jamais constitui um campo neutro ou meramente técnico. Pelo contrário, ela configura um território em disputa.

O campo das Políticas Linguísticas se caracteriza por seu dinamismo constante, refletindo a complexidade das sociedades multilíngues e os múltiplos interesses que atravessam o uso da língua. As decisões sobre quais línguas são valorizadas, quais práticas comunicativas são incentivadas e quais normas linguísticas são promovidas não são neutras; elas envolvem negociações de poder, disputas culturais e tensões identitárias. Essa natureza contestada evidencia que as políticas linguísticas não são estáticas nem universais, mas produtos históricos e contextuais que mudam conforme os processos sociais, políticos e econômicos.

Além disso, a própria definição do que constitui uma política linguística permanece sujeita a debate. Pesquisadores divergem sobre os limites do campo, sobre os métodos mais adequados de intervenção e sobre as implicações éticas de diferentes estratégias. Essa pluralidade de perspectivas reforça que compreender as políticas linguísticas exige sensibilidade às nuances do contexto social e às relações de poder que atravessam a linguagem. Em síntese, estudar este campo é assumir uma postura analítica crítica, capaz de reconhecer tanto as potencialidades quanto os dilemas que emergem da gestão da língua na vida coletiva.

Referências

  • BISONG, J. Language choice and cultural imperialism: A Nigerian perspective. ELT Journal, v. 49, n. 2, p. 122–132, 1995.
  • BLACHFORD, D. China's evolving language policy: The limits of harmony. Language Policy, v. 18, n. 1, p. 1-8, 2019.
  • CALVET, L.-J. Linguistique et colonialisme: petit traité de glottophagie. Paris: Payot, 2002.
  • CANAGARAJAH, A. S. Reclaiming the Local in Language Policy and Practice. Mahwah, NJ: Lawrence Erlbaum, 2006.
  • COOPER, R. L. Language Planning and Social Change. Cambridge: Cambridge University Press, 1989.
  • FENG, Anwei. Language policy and practice in China. In: TSUI, A. B. M.; TOLLEFSON, J. W. (Eds.). Language Policy, Culture, and Identity in Asian Contexts. New York: Routledge, 2016. p. 25-42.
  • HORNBERGER, N. H. Frameworks and models in language policy and planning. In: RICENTO, T. (ed.). An Introduction to Language Policy: Theory and Method. Malden, MA: Blackwell, 2006. p. 24–41.
  • KACHRU, B. B. The Other Tongue: English Across Cultures. Urbana: University of Illinois Press, 1992.
  • KROSKRITY, P. Ideologies of language in the expressive culture of the Arizona Tewa. In: KROSKRITY, P. (ed.). Regimes of Language. Santa Fe: School of American Research Press, 2004. p. 329–359.
  • LANDAU, Jacob M. Atatürk and the modernization of Turkey. Boulder: Westview Press, 1984.
  • LEWIS, Geoffrey. The Turkish language reform: a catastrophic success. Oxford: Oxford University Press, 1999.
  • OLIVEIRA, G. M. de. Políticas Linguísticas na América Latina. Campinas: Pontes, 2006.
  • PHILLIPSON, R. Linguistic Imperialism. Oxford: Oxford University Press, 1992.
  • PHILLIPSON, R. Linguistic Imperialism Continued. New York: Routledge, 2009.
  • RICENTO, T. (ed.). An Introduction to Language Policy: Theory and Method. Malden, MA: Blackwell, 2006.
  • SALLAN, G. K. Language policy in Turkey: The case of Kurdish. Language Policy, v. 17, n. 3, p. 337-355, 2018.
  • SHO HAMY, E. Language Policy: Hidden Agendas and New Approaches. London: Routledge, 2006.
  • SKUTNABB-KANGAS, T. Linguistic Genocide in Education—or Worldwide Diversity and Human Rights? Mahwah, NJ: Lawrence Erlbaum, 2000.
  • SPOLSKY, B. Language Policy. Cambridge: Cambridge University Press, 2004.
  • SPOLSKY, B. Language Management. Cambridge: Cambridge University Press, 2009.
  • VERTOVEC, S. Super-diversity and its implications. Ethnic and Racial Studies, v. 30, n. 6, p. 1024–1054, 2007.
  • WOOLARD, K. Language ideology as a field of inquiry. In: SCHIEFFELIN, B. B.; WOOLARD, K.; KROSKRITY, P. (eds.). Language Ideologies: Practice and Theory. New York: Oxford University Press, 1998. p. 3–47.
  • ZHOU, Minglang. Multilingualism in China: the politics of writing reforms for minority languages, 1949-2002. Berlin: Mouton de Gruyter, 2003.


MARQUES, Heloísa. A linguagem simples como política linguística para a comunicação pública. Revista de Estudos da Linguagem, v. 29, n. 3, p. 1639-1669, 2021.

STAREC, Clotilde. Plain Language: A nova fronteira da língua. Trabalhos em Linguística Aplicada, v. 46, n. 1, p. 59-71, 2007.